29.8.06

A Força dos objetos “Inanimados”


Agora a pouco eu pedia ao Juninho que procurasse, pela última vez, um texo que, por acidente eu apaguei. Talves esse texto não tivesse tanta importância, mas pelo fato de ele ter fugido de mim, eu o superestimo. Como aquelas coisas das quais somente sentimos falta quando as perdemos. Eu mesmo tenho me acostumado com esse sentimento de perda pelo fato de senti-lo muito freqüentemente esses meses.

Antes de começar a escrever esse texto eu pensava em como seria a vida das coisas inanimadas, e como elas se vinculavam às nossas. Algumas pessoas pensam que os serem humanos são não o centro do universo, mas o centro da criação... o objetivo máximo desta, a obra-prima: não sei quantos graus, portanto, acima do, aqui, mero geocentrismo – para alguns, humanocentrismo. Uma vez li que o ápice que qualquer coisa pode alcançar é torna-se um ser; mas “ser” é tudo o que é. Portanto, o que me torna diferente de uma pedra é o simples fato de que somos seres diferentes, mas cada um com sua inteligência implícita, nada de graus diferentes de superioridade ou nada de irracionalidade. Sim, dizemos que os animais são irracionais, mas dentro de um padrão de inteligência medido a partir da padronagem humana, a qual os animais tidos como irracionais somente poderiam chegar se eles se tornassem humanos, assim como perfeição, que é um atributo divino, o qual os homens somente alcançariam quanto tornassem-se divinos. Acho que por isse sentimento de vazio, mas mascarado pela pretensão, costuma-se limitar as coisas ao entendimento humano, limitado, portanto, mas que, por egoísmo, pensamos serem o ápice das coisas – esquecendo-nos que todas as coisas são seres, mas por não serem humanas também, podem ser diminuídas.

Não é sempre que eu me sinto bem sendo parte do topo da cadeia alimentar. Topo.... Bem, o ser humano autodenomina-se o topo da cadeia alimentar na Terra, mas eu não tenho tanta certeza disso. Aliás, acaba de me ocorrer que a própria imagem e semelhança com Deus que o ser humano proclama para si é um fato plenamente questionável. A razão faz do homem cobaia das suas descobertas quando, atavés dela, o homem vai destruindo aos poucos o seu bem mais valioso: a auto-estima. Como quando Copérnico afirmou que a Terra não era o centro do universo e fez com que a humanidade não mais se vangloriasse pelo fato de serem a engrenagem principal do infinito (?), ou quando Darwin disse que o homem não era o objetivo da criaçvo, mas uma, entre tantas etapas dela, apontando o macaco como possibilidade da nossa ancestralidade [tolos os que pensam que essa afirmação se trata apenas de “termos vindo dos macacos”...] ou quando Freud afirmou que não temos controle da nossa personalidade, ao apresentar o inconsciente para os seus “hospedeiros”, os seres humanos. Penso que a descoberta coletiva de que Deus é um escudo será um golpe fatal para muitas almas fracas, uma vez que dirá, com todas as letras necessárias, que Deus não precisa ser onipresente na vida humana, se ele não o quiser, e que ele não criou apenas os seres humanos, habitantes da Terra. Pensemos, por um momento, que as baratas fossem autoproclamadas topo da cadeia alimentar e estivessem escalados evolutivamente como o estamos agora: para elas, qual forma teria Deus? A de um ser humano? Tenho certeza de que não. Agora numa escala maior... muito provavelmente a Terra não seja o único local habitado do Universo. Se em algum desses locais onde houver vida, se esta preocupar-se com isso, tais habitantes também podem acreditar serem a imagem Dele; mas seriam eles parecidos o suficiente conosco a ponto de justificar a nossa semelhança com Deus? Portanto, a semelhança dos homens com Deus não passa de busca por conforto interior, uma tentativa de não se sentir apenas um amontoado de genes espelhados num organismo no meio de tantos ao seu redor, na sua cidade, no seu país, no seu planeta, no seu sistema solar, no Universo, no infinito, no.... Definitivamente eu não sou parte do topo da cadeia alimentar, e não quero pensar que seja um ponto de vista. Não quero ser conivente com o rebanho hoje...

Por um momento eu deixei de sentir falta do meu texto para sentir-me triste. Antes eu via a perda do texto como um vaciloo meu, mas hoje penso que o texto não quis ser visto, ou simplesmente não me quis. A inanimação das coisas é um ponto de vista, assim como a concreticidade das mesmas. Uma vez um aluno me afirmou que concretas eram as coisas que podiam ser vistas ou tocadas. Eu lhe perguntei, então, se o ar era abstrato, uma vez que não era visto, ou se Deus era abstrato, já que não podia ser tocado. Eu lhe disse que os seres seriam sempre concretos onde eles existissem, e que, ao contrário da força que temos para criar seres potentes de serem concretos na nossa imaginação, não há como torná-los abstratos outra vez, porque somente pode se abstrair sobre coisas concretas. E eu lhe disse que o ser é aquilo que é. As exceções somente existem nas coisas criadas pelos homens, que é limitado por natureza, mas o universo não foi criado pelo homem...

O meu texto tinha mais de cem páginas e doeu escrevê-lo. Doeu porque ele era vivo, e dói dar a luz. O processo de concretização de uma idéia é dolorido porque envolve sentimento. É o processo em que dolorosa e penosamente se mata algo puro, tira-se a vida de algo perfeito para transformá-lo em algo imperfeito, como nosso pensamento, limitado por natureza. Mas essa morte não é dolorosa apenas para para a idéia, que, de certa forma, é natimorta por necessidade. A idéia morre para que algo novo nasça dela, e torne-se algo compreensível para a limitada inteligência humana, traduzida, portanto. Mas esse processo não é indolor para o ser humano. A idéia sofre, traumatiza-se, mas, por compaixão, digo que sofremos também. Dói porque só sabe o que é uma coucha quem viu e sentiu a coucha; só sabe o que é luz quem se ofuscou – o resto é apenas especulação. Portanto, a idéia dói porque ela somente pode ser traduzida por sentimentos, que podem ser prazerosos, mas também podem ser dolorosos ou mesmo recalcados, fazerem parte de um passado que não traz nenhuma alegria sem antes pensarmos nos acessórios que, por conta dele, nos foram concedidos.

Muitas vezes eu quis ter tomado decisões diferentes no passado. Quis voltar no tempo e mudar uma coisa específica, sem a qual eu viveria melhor sem a lembrança, mas fico triste porque eu não sei se os acessórios – que hoje me são mais preciosos que mesmo a valiosa lembrança da experiência tirada dos momentos difíceis – me acompanhariam. O fato é que eu não sentiria falta deles se eu não os tivesse tido, mas hoje penso que naoo viveria sem eles se pudesse escolher outras decisões para o meu eu do passado. Será que eu poderia confiar na força das coisas inanimadas? Será mesmo que as coisas acontecem quando elas devem acotnecer? Ou elas somente acontecem porque o caminho das bifurcações dos sins e nãos possibilitaram seu acontecimento? Será mesmo que o meu texto tinha sentimentos porque eu os coloquei lá dentro? Teria ele capacidade de escolher, se eu lhe desse esse poder? Eu sou o deus da minha criação? Será assim que funciona o livre arbítrio? Quer dizer, se eu sou deus dos organismos que vivem dentro de mim, cuja vida depende da minha, que depende da minha simples decisão? O livre arbítrio pode me destruir – a morte é uma decisão minha ou dos meus organismos? Acho que nem um nem outro, porque ambos fomos criados pela mesma força, afinal. Volto, então, ao começo? Mais uma vez a teodicéia? Ou o criador permite sublocação?

Minha solução é aceitar a perda do meu texto, como sente a mãe que ouve que seu filho morreu no eu ventre. Eu não fui capaz de gerar meu texto. Não ainda. Esses dias eu sonhei com a minha mãe e com o Jacko. Contei o sonho para minha mãe e ela disse que quando eu estivesse trabalhando eu deixaria de pensar nessas besteiras. Lembrar é besteira? Penso que besteiras sejam as coisas desnecessárias. O que eu tenho deles, agora, é somente a lembrança que carrego na minha cabeça, como o tamanho das suas mãos quando as colocava sobre as minhas, ou na lembrança que carrego, do seu focinho, ou dos dentinhos tortos – agora com aparelho, ou do seu rabinho cotó. Ainda não chorei desde que saí de casa, mas penso que eu deveria, se eu levasse a sério o que ela disse e esquecesse-os, quando começasse a trabalhar. Sim, agora eu me lembro: foi esse o grande motivo das nossas desavenças – ela queria que eu fosse racional como ela, mas eu apenas gostava, e isso não era suficiente. Eu não tenho culpa dos traumas dela. Não tenho. Não. Não tenho. É... eu realmente não tenho culpa, se as coisas inanimadas não tiverem força.. afinal, eu também já fui uma idéia... e hoje....

Nenhum comentário: