22.12.06

Quem tem Medo de Virginia Woolf?

O Léo Heggendorn chegou a Governador Valadares: foi uma festa! Hummm... pelo grau da nossa amizade, eu e o Léo nunca fomos capazes de encerrar qualquer assunto! Havia sempre um gancho mínimo capaz de recomeçar toda a revisão de um tema absurdamente etéreo – algo que, na prática, poderia se resumir num olhar ou num trejeito, ou no acompanhar do vôo de uma mosca; uma coisa tão mínima para os não-iniciados, mas que pode ser destilada e saboreada com o mesmo frescor e a polpa genuína da novidade por horas e horas, e nunca se acabar: assim somos eu e Léo. Acontece que não nos vemos há meses e mesmo sabendo da nossa incapacidade para finalizar, nos demos ao luxo de atribuirmos uma gravidade sóbria e mansa à tentativa de condensar meses e meses de ausência física, conversando. E pronto! Começamos como se ontem mesmo tivéssemos visto um ao outro, e, como era tudo tão espontâneo, reassumimos a velha prática de sairmos aos sábados para continuar a rir, e rir, e rir, e gozar da companhia um do outro, como convém àqueles que matam a família e vão ao cinema...

Enfim, depois de rodar e rodar e rodar, estávamos num bar e conhecidos vinham cumprimentar, e era comum me perguntarem pelo Exu quando me cumprimentavam. Sempre soube que não seria de uma hora pra outra que as pessoas nos desvinculariam, mas a gota d’água pingou quando uma amiga me pediu o número do celular e colocou o nome do Exu entre parênteses, ao lado do meu nome, pra eu ser mais facilmente identificado. Quando vi o meu nome de novo ao lado do Exu, alguma coisa “ligou” dentro de mim e eu percebi que eu não ia mais me incomodar com o ambiente e querer ir embora depois de apenas meia hora dentro do bar. A partir daquele momento o mundo tomou cores e formas tão curiosas que eu poderia viver ali dentro. O globo de espelhos assumiu um novo significado e nele eu vi o mundo dando voltas, e voltas, e voltas, e numa das de 360 graus eu me enxergava de novo em Governador Valadares, entre pessoas que anonimamente compuseram um fundo para a minha vida, e que agora, outra vez, serviriam de plano de fundo para eu meditar. A multidão serviu para eu perceber que o Léo se destacava.... que rostos familiares e que sorriam de volta quando eu sorria faziam toda a diferença, e que, por causa do sorriso, se destacavam daquela massa homogênea de histórias. Por causa do meu sorriso eu percebi – eu e o globo de espelhos – o que eu fazia em Governador Valadares. Cada abraço naquele bar me fez perceber que eu queria sintetizar alguma coisa; que eu queria abraçar o Flávio, o Marcelo, o Léo, a Élida, o Glayson... Eu queria entrar neles todos e ficar lá dentro! Eu estava em Valadares por causa das pessoas que me são importantes e da necessidade de dizer-lhes adeus. Para mim, esse abraço seria algo parecido com o momento em que, depois de muito sofrer, o moribundo subitamente melhora e abraça, e sorri, e diz as coisas que precisa, só pra morrer quase que imediatamente: eu estou morrendo, e percebi que preciso dizer adeus aos que me são importantes. Dizer adeus aos que me são e aos que me foram importantes.

E então outra pessoa me perguntou sobre o Exu, e eu saí do transe e vi as pessoas dançando outra vez em volta do globo de espelhos. Na verdade não me perguntara se eu tinha ido sozinho ao bar, mas se ele estava bem, e se nós ainda tínhamos contato. Eu tremi de pavor e arregalei os olhos porque eu estava tão imerso na reflexão que eu tinha me esquecido que ele tinha um nome! Meu Deus, ele tem um nome! E quando eu me lembrei que ele tinha um nome, ele, automaticamente, não era mais apenas o Exu: ele voltara a ter alma! Ele voltou a ter alma e, mais que imediatamente, voltou a ter cara... e entendi que fato de nós não mais estarmos juntos não fazia de nenhum de nenhum de nós dois pessoas ruins... muito pelo contrário; eu mudei quando percebi que nós não mais dividiríamos o futuro que eu criei – sozinho – pra nós dois... ele é exatamente a mesma pessoa... Era eu que não enxergava... e eu quis dizer-lhe adeus. Mas para quê? Será que eu estava com medo de passar a acreditar que eu tinha mais culpa do que eu achei que tivesse se não pusesse um ponto final nisso tudo? Mas por quê?

Todo o futuro de universos infinitamente paralelos passou pela minha cabeça quando eu me perguntei o porquê do desejo de finalizar, e notei que eu adiava certo momento comum em todos eles porque na mesma etapa eu me via ensaiando falas, caras e bocas em diversas versões de não dizer nem falar nada. E diante da maioria dos silêncios nos quais a minha imaginação era mais que bifurcada, eu me sentia perdido como que recebendo um e-mail importante que eu não tinha coragem de abrir. Um daqueles e-mails que tememos o conteúdo. Pensei um dia hipoteticamente inteiro sobre o que poderia lá dentro estar escrito. E pra me salvar eu resumi: eu deletaria ou leria o e-mail, enfim? Vale a pena mexer no passado? É toda conciliação que tem que existir? O que o passado quer comigo? Será que é ele que quer alguma coisa comigo, gente? Ou sou eu que quero me santificar? E o globo de espelhos continuava girando, mas agora irradiando luz colorida. E todos dançavam. Menos eu. Então eu voltei a olhar pro giro vivo do globo de espelhos. Era melhor. Foi quando eu me levantei da mesa sem me despedir de ninguém e falei com o Léo: “Amanhã irei ao shopping! Sim! É isso que eu vou fazer amanhã”!

Quem vê cara não vê a experiência... não, não!

Estava eu conversando sobre a minha experiência no exterior, meio que como um avô contando histórias fantásticas aos netos, quando o Léo (Heggendorn) disse: “Londres é tudo!”, e eu respondi: “sim, eu sei... eu estive lá!”. E enquanto dizia essa frase eu percebia que não se pode ver a experiência no rosto das pessoas. O próprio Léo não parecia marcado pelas dele, por trás do sorriso espontâneo do agora. Dizem que quem vê cara não vê coração, mas não é verdade... as pessoas tocam ou não tocam a gente sim, mas a experiência é impossível de se ver: não se sabe se a pessoa unta a fôrma antes de levar o bolo ao forno, ou se gosta de sorvete derretido, ou se come as bordas da pizza antes da “própria” pizza. Eu mesmo aparento nunca ter saído de Governador Valadares... e como o Marcelo disse, tudo ficou meio que sublimado – o fato de eu nunca ter me despedido formalmente ou de não ter havido choradeira, fez parecer com que eu nunca tivesse deixado a casa dos meus pais. Era como se nada, absolutamente nada tivesse acontecido, e que o “ontem” se resumisse ao último encontro.

Tempo, tempo, tempo, tempo.

A realidade é que cada pessoa vive num tempo diferente, segundos – até minutos, distantes uma da outra. Aconteceu isso comigo esses dias: eu tinha um compromisso às 16h00; mas no meu relógio já eram 16h05, no do meu pai ainda eram 16h01, a catedral marcava 16h03 e o elevador dizia que eram 16h04 – o relógio do carro marcava 15h01, e fui recebido com um sorriso de meia-boca e um abraço simultâneo à frase: “Pontualidade britânica!” E eu odeio quando não acompanham meu tempo, meu Deus! Pra mim é como ouvir quadros sendo aranhados o tempo todo, quando alguém não sabe o que eu já sei. Pra mim, eu sou sempre pontual... chego sempre na hora em que eu devo chegar – quando não desisto de ir, na metade do caminho. Meu intervalo de sincronia é o meu próprio ponto de referência. E por que essa preocupação com o meu êxodo pessoal? Tem sempre alguém ou alguma coisa indo e vindo que eu posso me dar ao luxo de praticar estática de vez em quando – brincar de faquir!

18.12.06

GPS!

Prá onde vai tudo isso que eu entendo? Como vou saber prá onde vai se eu não sei nem oque fazer com o que eu vou entendendo? Aliás, será que eo que eu vou entendendo vai para algum lugar: eu esqueço? Eu uso? Prá que serve o que eu entendo, meu Deus? Eu me liberto entendendo? ...não, eu sei que não: a busca é eterna.

9.12.06

ASSOMBRADO!

Na madrugada, as já vastas ruas de Governador Valadares ficam ainda mais largas quando cobertas com a luz laranja das lâmpadas de mercúrio. É solitário sim, mas não dói; eu até gosto das lâmpadas de mercúrio porque elas não são tão explicitamente brancas. As lâmpadas de mercúrio desnudam a verdade, mas dão um quê de mistério e charme a ela. ...e é assim que eu gosto da verdade. E como eu dizia, as ruas vazias madrugada afora desenham sombras e eu fico brincando de adivinhar o que elas querem ser. Tenho pena dos paralelepípedos que queriam ser postes, ou do asfalto que queria ser morada. Pobres dos assombrados, porque eles não têm imaginação para sonhar.

Eu não olho para a minha sombra desde... eu não me lembro quando foi a última vez que eu olhei pra minha sombra! Estou pasmo! Tentei olhar para ela agora, mas fiquei com medo! Foi o medo puro. E esse medo me fez entender o que é medo, meu Deus! É o medo da verdade – o arquétipo do medo, meu Deus! Medo é negação, é preguiça. Medo é uma forma de recusar a verdade! Insisti: não queria fugir da verdade (ou do que eu acho que seja verdade) mas desisti rapidamente porque eu comecei a devagar e a pensar na forma com que a minha sombra queria parecer hoje. Foi aí que me espantei de surpresa: eu não sei com o que a minha sombra se parece hoje; e de tão misteriosa, ela não me dá pistas. Estou pasmo com a nossa displicência – minha e de minha sombra. Afinal, quem deixou de procurar quem? Tentei olhar de relance, mas a sombra se escondeu por detrás de outra sombra... mas tive certeza de que ela está viva porque eu acenei e ela acenou de volta. Estava ela realmente ali o tempo todo ou será que ela realmente só me procura quando eu estou diante da luz laranja? Quem é a minha sombra? Meu Deus, só agora a cidade me conta seus segredos. Somente agora que eu não mais vivo aqui e que por isso, não sou mais ameaça familiar. Não sou mais um perigo latente – alguém que pode gritar a qualquer momento e denunciar a real intenção dos objetos que as pessoas insistem em chamar de inanimados... Que lindo, meu Deus: essa é a minha vida sem mim! Num universo paralelo eu não fui, e exatamente desse jeito este “eu” está. A vida segue adiante... e sem mim! Mas será que ele tem consciência disso?

Na noite passada quando eu desliguei o carro e olhei pra minha casa, eu sorri. E ela sorriu de volta – pro meu espanto! Ela sorriu de volta porque ela não é mais minha – e ela sabia que eu já percebia isso! Minha casa também se mostrou pra mim e quis que eu a conhecesse por inteiro. Ela não tinha mais medo de mim e queria me falar tudo... absolutamente tudo, como quem está prestes a morrer. E nessa ânsia de quem ia morrer eu fiz um retrato da minha casa que é assim: Minha casa tem cheiro de não sei o que, mas é esse não sei o que me intriga: é cheiro de antítese e de contradição. E olhando para essa fotografia eu senti balaústres. Balaústres de noite, com a luz da lua refletindo no cinza dos contornos – teria eu certeza de que não seria outro poste? Não sei, mas sei que eram brilhantes olhos úmidos... eu podia sentir o sal desses olhos, meu Deus! Daí o portão rangeu e eu subi pelos degraus de ardósia porcamente recortados, sem me apoiar no corrimão. Abri a porta. Foi aí que eu senti o cheiro da minha casa, seu buquê – sua real identidade... cheiro de 20 anos, cheiro de saudade. O silêncio nessa casa é pulsante como um coração sadio – por isso a casa é morna. Eu me perco em casa! Por conta dessa fotografia eu percebi o jogo confuso de portas na casa... Que acessibilidade! Será por causa das portas que a casa é tão acolhedora? As portas são a continuidade, meu Deus! As portas são a anti-rotina! Estou realmente intrigado: vivi vinte anos da minha vida nesta casa e percebi que não sei quantas placas de ardósia temos no chão! Estou boquiaberto: a casa é viva! Ela é viva e fala comigo...e eu entendo! Que maravilhosa simbiose, meu Deus! Estamos todos vivos: eu, você e a casa. Sim, porque alma existe independente de alguém lá a colocar. A alma escolhe o corpo. E agora eu quero a alma de cada paralelepípedo da cidade. (Quero mesmo?)

Eu vejo tudo de um ângulo diferente agora – está tudo transversal, meu Deus! O sentido de tudo me escapa depois de alguns segundos e eu fico com essa cara abobada de quem sabe, mas não pode falar. Cara de segredo! Essa repentina crise de sinceridade da cidade me fez perceber que, apesar de a mesma, ela não é mais minha. Sim, porque ela me revelou seu segredo, meu Deus! Nela estão as mesmas pessoas com os mesmos problemas. Até eu descobri o meu mesmo aqui na cidade e – pasmo, me acostumei. Eu me acostumei, mas não quero a facilidade de me repetir. Meu Deus, como é fácil me repetir! Digo, eu me repito todos os dias, mas tem algo de sórdido nessa repetição... e eu me sinto sujo. Excitantemente sujo, quer dizer. Culpa... a culpa é como um vinho seco... seco e tinto... que me enche a boca docemente, mas se revela forte na língua e desce esôfago abaixo deixando o rastro do calor. Com ele eu viajo dimensões afora, infinitamente: vivo vidas, tenho idéias, arquiteto planos, embebedo-me de possibilidades... e gozo palavras!

3.12.06

Pergunta Retórica #2:

(Foi) A semiótica (que) acabou com a minha vida?

It's an illusion - I dont't care!

Estava sentado em frente ao meu portão de embarque, em Madri. Olhava para tudo e para todos, e realizei que brasileiro tem cara de brasileiro (ou era eu com saudades de casa?) Fiquei intrigado com o fato de que numa multidão eu não os apontaria como brasileiros, mas que ficava tudo tão óbvio lá na fila de espera para o vôo que eu me joguei num daqueles momentos em que se pensa tão profundamente que não se chega a conclusão nenhuma. Tentava voltar prá leitura da Clarice, mas uma figura me chamou atenção por, entre outras coisas, a altura do som que escapava dos seus fones de ouvido: ele ouvia American Life, da Madonna. Pensei comigo: “deve ser uma no meio de outras músicas”, afinal, depois que eu ouvi DISCO SCIENCE do Mirwais, eu também virei fã. Mas acontece que depois de American Life começou Nothing Fails, e então eu tive certeza da minha suspeita: tratava-se sim, de um fã da Madonna!
Passei a observá-lo melhor e notei as tatoos em ambos os braços, e por causa de uma delas, percebi que também era fã da Björk e que eu poderia puxar assunto com ele, porque, além de tudo, iria no mesmo vôo para o Brasil. Eram tantas coincidências que fui tomado por um sentimento de patriotismo tão forte, um carinho, uma carência, uma vontade de contar minha vida e de ouvir a vida dele também. Queria saber o que ele fazia ali e preparei-me psicologicamente pra conversar. Às vezes a gente se entreolhava, mas a impressão que eu tinha é a de que ele não estava aberto pra compartilhar qualquer coisa. Seria muito fácil: era só perguntar se ele gostava de Madonna e provavelmente um átimo de comunicação poderia ser fiado. Cheguei a abrir a boca e a virar o rosto em sua direção, mas pensei que, em vez de começar uma conversa, a frase poderia ficar suspensa por vários motivos – entre eles o som alto poderia não permitir que eu fosse ouvido, ou, na pior das hipóteses, ele poderia dizer sim e ficar por isso mesmo.... e apenas nisso! Olhava para as pessoas do lado e via que cada uma se mantinha no mesmo anonimato latente, como quem estivesse meio louco pra ser interpelado por um do rebanho, e meio repudiando a volta para ele: era a dicotomia na sua forma mais pura! Não tive coragem de perguntar sequer se ele curtia Madonna, mas ainda não tinha desistido de iniciar uma conversa: liguei o meu MP3 Player e coloquei a Confessions Tour pra ver se fazia o mesmo efeito, mas não deu. Enquanto me perguntava o porquê de não simplesmente falar com ele naturalmente, como se fosse algo completamente impessoal, lembrei que eu era tímido. Engraçado, mas eu tinha me esquecido que era tímido! "Meu Deus, eu sou tímido ou eu fico tímido com a possibilidade de voltar prá onde eu vim?" Fiquei besta porque eu não agia nada timidamente na Europa. Por que será? Tem algo a ver com o fato de eu estar sozinho? Com o fato de lá eu depender só de im? Será que ocomodismo me deixa tímido? Ou tenho vergonha de ser acomodado? Sim... a lembrança do meu comodismo me tomava como toma o calafrio da pressão baixando. Tomei novo fôlego e voltei a pensar profundamente - o que significa não pensar em nada muito específico... Fiquei tão intrigado com a (re)descoberta da minha timidez que acabei desistindo de tentar me envolver com o rebanho e me resignei ouvindo Madonna, que me perguntava: “do you belive that I can make you feel better?” Baixei a cabeça e falei em voz alta, blançando a cabeça: “Não!” Afinal de contas, em que mais as nossas vidas poderiam ser intercaladas?

28.11.06

Brasil!

"Ora pro nobis" com costelinha de porco, frango com batata-barôa, frango com quiabo; Marcelo, Flávio, Léo Heggendorn, Cida, Roo, Glayson; papai e mamãe: quero faixa quando chegar em Valadares! Faixa e um ventilador...

Passando Roupas...

Eu lavava as roupas, mas fazia disso não apenas um ritual de limpeza – já tão adorado pelos "anais" do ato de centrifugação a antecipação do prazer único de passar as roupas. Sim, passar roupas. Cada um de nós guarda dentro de si um prazer soberbo, mas latente e completamente dispensável. Não... são vários assim, que quando executados são, naquele momento, a coisa mais deliciosa do mundo... até que venha outra e assuma o posto. Mas, enfim, as roupas brancas e sintéticas estavam lavadas e depois de colocadas para secar, próximas ao sifão, já estavam quase no ponto de passar. Eu me antecipei, eu sei, mas o vapor seco do contato quente do ferro com as roupas semi-úmidas terminariam o que o sol da Europa já não tem, mas que eu tenho de sobra.
Passava as roupas com a mesma ânsia do primeiro beijo – não o primeiro beijo do que eu posso chamar de maturidade (amplo isso, não?), mas o primeiro beijo mesmo, aquele que é apenas copiado das novelas ou dos casais ao redor: eu tinha 5 anos. Enquanto passava as mangas da minha camisa salmão, lembrei da Solange, que era a minha vizinha na época, e, com quem, claro, eu brincava sempre junto. Lembro do seu sorriso maroto e banguela, típico das crianças da nossa idade, mas o dela era quase que uma tatuagem: não saia nunca do rosto e chegava até a comprometer a compreensao da sua fala – acho que na dúvida entre sorrir e falar, ela fazia os dois. Ela tinha cabelos castanhos e encaracolados. Sempre usava regatas. Penso que tinha algumas sardas também. Meu primeiro beijo foi com a Solange. Lembro do seu irmão – nem sei se mais velho, ou se mais novo, trazendo sua mamadeira – sempre pela metade, com leite e café para brincar junto de nós dois. Passava o colarinho e de repente eu e Solange éramos os pais do seu irmão, que já vinha com mamadeira e tudo! Apenas nossos lábios se tocavam – se tínhamos noção da língua dentro da boca não sabiamos mesmo, mas de qualquer forma seria anti-higiênico para os nossos padrões infantis de perversidade, entao éramos apenas pais ingênuos como crianças que éramos. Até que cheguei ao bolso da camisa: acho tão complicado passar as costas do bolso! É quando a brincadeira deixa de ser prazeroza e a tensão por fazer um bom trabalho toma conta de mim, perfeccionista que sou. Solange e eu nos beijamos umas vezes, não sei quantas, até que meu pai desaterrou o nosso quintal e com ele foram-se a goiabeira e o balanço... nunca mais sentiria aquele frio, ou borboletas, se preferir, no estômago. As mudinhas verdes de alface sendo consumidas pela terra preta me cortavam o coração, talvez porque não era eu quem as destruia... ao menos eu tinha prazer em roubar as sementes de gerânio da minha mãe, jogá-las sobre a terra preta em volta da goiabeira com o balanço e depois pisá-los quando despontavam do chão. Era medo da minha mãe, eu sei. Medo de mostar do que eu era capaz, de desabrochar... mas era também o simples prazer de fazer as coisas escondido e não ser pego. A terra era toda jogada fora e eu não mais me interessava pela Solange – era como se os gerânios florescessem no na minha boca. Sempre que termino de passar a roupa eu a olho novamente para ver se um vinco me escapou, ou se algo doubrou-se depois que foi pro cabide, mas se acho, finjo que não vejo - perco o interesse depois de feito. Lembro-me de atirar lascas de terra compacta na direção da Solange e de seu irmão, mas estaria eu afastando-os porque tinha medo de que gostassem mais do balanço do que de mim? Será que desde girino eu já tinha medo de não ser suficiente?

Semente

Sua jugular pulsava aceleradamente – a pressão estava nas alturas. Era sempre assim quando se contrariava... O ar pesado não era medido pela abstinência de palavras, mas pela profusão das que acabara de proferir à sua filha. O ar pesado quase cegava-o e pelo olhar fixo e seu rosto cabisbaixo, via-se que o quase já era um quase tudo. Pensou em repetir as duras palavras por uma terceira ou quarta vez, mas achou que, por hora seu silêncio era suficiente, e piscou, engolindo saliva. Mordeu os lábios e pensou em voz alta, mas assim como desordenadamente pensou, balbuciou um amontoado atonal de murmúrios, que terminou com um suspiro profundo. Pela primeira vez colocava a mão por entre os cabelos crespos, apoiando-se pelo cotovelo, na parede e fechava os olhos. Quis chorar uma lágrima, mas decidira, com certeza de provedor, de mastro que era, fingir que coçava os olhos enquanto levantava as sobrancelhas fartas e chupava os dentes em sinal de protesto só porque sabia que sua filha não gostava, e como sempre, fazia quando podia, não porque se esquecia, mas porque sabia que a filha não gostava. Sempre esperava uma resposta. Ensaiava sozinho diante do espelho a contra-resposta que daria a sua filha, sempre muito astuta, quando lhe colocasse contra a parede. "Se fosse na época do meu pai, você levaria uma surra", praguejou, mas não pelo agora, e sim pela lembrança de como era astuta e sempre tinha uma resposta na ponta da lingua, aquela sua filha tão eloqüente. "Eloqüente até demais", pensou... ou disse? por um instante não soube se pronunciara ou se falara a última sentença – mas pouco importava porque a mocidade de hoje também lhe fazia evolir. Sempre achou que se evoluia com os tempos, na medida em que pudesse evoluir; afinal, que culpa tinha o metal na terra, que o homem ainda não o havia encontrado? - pensava. Sentou-se. Balançava as pernas neuroticamente. Levantou-se assim que percebeu – não queria demonstrar nenhum sinal de fraqueza. "Não" – pensou, mais uma vez sem saber se falara ou se apenas pensara, mas só para ter certeza, repetiu e fez questão de ouvir cada uma das três letras: n-ã-o. Neste ponto franziu a testa e fez um bico, como quem pensava em uma solução, mas logo olhou fixo o chão e balançou a cabeça em negação, e repetiu, desta vez prestando atenção no silêncio: "não"! De repente lembou-se de quando ela nascera. Era uma boneca. Somente naquele momento pensou que ela poderia ter sentido falta de um irmão quando criança. Não era completamente errado afirmar que era um pouco culpa do trabalho e do tempo que já não tinha para dar para a sua filha.. e dividi-lo com outra criança seria crueldade, afinal, um pai tem que estar presente, ser uma figura para se temer, para se amar, para se ter! Mas por outro lado – ou talvez mesmo por conseqüência deste – é dificil ser provedor, mastro nas horas em que apenas se quer deitar no colo da mãe e chorar. Tem dias que nem eu quero ser um rapazinho... mas por outro lado percebeu que Maria era o nome da mãe de Deus, e que Deus tem somente uma mãe, portanto aquele nome a fadara a ser filha única. Nunca acreditou que os nomes pdoeriam ter força, mas seu apelido fazia muito sentido naquela tarde. E teve uma tontura e entendeu! Tudo fez sentido! Tudo se encaixou tão facilmente.... era tudo tão óbvio, de repente ele esboçou um sorriso – contido, claro – não era hora para bipolaridades! Mas aquele anti-sorriso fitava não a filha, mas a sua barriga. Na verdade via além da barriga. Ele via a desnecessidade da esperança na vida. E dava aleluias por ter percebido que a esperança é o ato de adiar o ininterrupto, porque, na prática, só existe o presente! As horas não existiam, os dias não existiam, os anos não existiam da forma como acreditava. Até agora tudo o que ele fizera consistia em creditar não no tempo, mas a máscara que aprendera a atribuir ao tempo, e que o tempo mesmo nunca tinha parado. Entendeu que a sua filha não ia crescer, mas que ela era ela agora. Nem o passado e nem o futuro eram palpáveis, enfim, mas sempre e para sempre, o presente. Minha filha nunca tivera antes, quase 30 anos, mas sempre foi muita filha, astuta e eloqüente... sempre no presente! Percebeu que a esperança era adiar o presente e mascará-lo... Boquiaberto e meio zonzo percebeu que precisaria assumir a sua carência e esquecer, de vez, a esperança. Entendeu que, se era preciso, tinha-se. E que quanto mais se precisava, mais se fazia, e mais tinha-se. E viu Deus na barriga da sua filha, e deu graças porque o precisar nunca se acaba.

15.11.06

As Aspas

Eu falo de aspas como falo de deuses. Deuses gregos, com seus humores, seus gostos, o deleite pelo xadrez – os bons e velhos arquétipos humanos dispostos como em um bufet; mas também falo deles a esmo, como fala da visão um cego que nascera cego: eu apenas os idolatro. Eu os idolatro como à relíquias pasteurizadas que me chegam como são, e por pura preguiça de pensar no que me atrai nessas aspas, eu finjo que não me interessam como serão. Em fato, tudo que quero delas é que me sirvam quando eu quiser fugir de mim. Neste sentido eu creio que elas apenas desempenham uma fugaz função que delas e apenas delas dependa a sujeição da sua fugacidade. E por causa das aspas, hoje eu percebo que eu sinto falta de mitos. Não que eu não me satisfaça com os que eu acompanho – ou cultuo, sei lá... mas sinto pena por não acrescer ao meu panteão, novos mitos a serem repousados nos recém-abertos altares do meu confuso relicário.

A fugacidade se dá num átimo que não mais é apenas a velocidade da luz: chamo-a agora, de produtos-holofote. Explico: Tantos seres envoltos em aspas povoam os meios de comunicação que só consigo pensar que estamos no auge da colheita de pseudo-artistas que não ficam tempo suficiente para aquecer o canhão que conduz o holofote que os ilumina – ou, mais especificamente, dois produtos-holofote. Cantores de uma música só, atores de uma cena só, amantes de um beijo só... a banalização do secreto me soa como se tudo fosse natural demais, fácil demais. E por conta disso, perdoa-se demais, come-se demais, erra-se demais; chora-se demais, reergue-se demais... e tudo pelo suposto direito de criar uma experiência de vida que deveria vir em troca da satisfação de uma profusão de egos que exigem que o tempo mundano seja o tempo dos seus próprios relógios biológicos! Por este excesso de charme e, claro, pelo meu próprio processo parcial de inquisição eu culpo a Internet – sim, faço uso da minha licença para julgar, mesmo não sendo o Deus. Porque também se banalizou o julgamento feito pelas pessoas! E pronto. Não me neutralizo ao errar dizendo que erra-se demais, claro: seria muito fácil. Ou dificil, não sei... escrevo tão indiferentemente que nem sinto prazer ou culpa: sou neutro quando digo que culpo a Internet pela democratização do ordinário e pelos produtos-holofote quem nem chegam a empoirar no meu relicário. E me lembro que temos tanta gente ruim, ou, na melhor das hipóteses, mediana, que padronizou-se a espera pelo normal. E o normal não é ruim, mas é comum – por isso não temos mais mitos, em vez de aspas! Novas aspas vêm e vão com tanta rapidez que eu não tenho mais tempo de me apegar a elas; novos atores aparecem nos filmes que eu não posso ver, e deles não saem... e entao fico sem vê-los! Novos cantantes surgem do nada e para o nada voltam sem eu saber sequer seus nomes! Há tantos blogges como este na Internet que eu não posso ser justo dizendo que sejam bons ou ruins, porque o próximo sempre pode me seduzir mais que o anterior... Sinto falta de laços! Sinto falta de mitos! Sinto falta de convexão e reconvexão. E o meu egoísmo insiste em dizer que, porque assim eu quero, que a Internet seja culpada pela difusão e pela dinamicidade da divulgação das informações, que, por conseqüência, da apresentação de mais opções e liberdade de escolha. Por um lado isso tudo é bom, mas o ruim disso tudo é que os mediocres parecem conhecer mais de informática, e por isso mostram a sua ordinariedade para o universo, infectando o menu com tantas aspas... E então eu me pergunto: A Internet matou os mitos ou vulgarizou o glamour? Ou eu que estou ficando velho?

11.11.06

Óbvio

Sentia um amor tão grande, tão intenso, tão, que eu queria te bater, queria te machucar até sangrar, só para depois ter o prazer de cuidar, de acariciar, de prover, de tomar conta, enfim. Mas também era o mesmo amor que envergonhava, que, de volta ao passado, revelava toda a amaturice do antes, do que não me orgulha, do que já foi, mas que não deixa o meu senso crítico caminhar em paz. Eu me perdia nos infinitos motivos que eu tenho para me envergonhar... até que eu me lembrava das noites que, em claro, me ocupava de soprar a sua nuca para ver seus pêlos se arrepiarem e depois contar o tempo que eles levavam para que se deitassem novamente – quando eu deixava que eles se deitassem novamente.... e fazia isso sem me perder, observando seu corpo dormindo diante de mim, como um milagre! Você inspirava e respirava, e eu ficava tão feliz que doía: e então eu apertava forte os dentes para não te beijar com toda a força da minha carência, e saboreava com propriedade de enólogo, o sal dos seus olhos. Eu queria te abraçar, e chorava de tanto amor. Eu queria te abraçar e te acordar porque eu queria te sentir não com a impossível entrega que quem só quer a filantropia, mas com a gana de quem abraça e quer ser abraçado em retorno - o mais genuíno e antigo dos quereres humanos: o egoísmo. Queria te comer pra te trazer sempre comigo, sermos um só não apenas no sangue. Queria te comer para digerir o seu eu e sermos, definitivamente, nós – queria o seu “de dentro” sendo parte do meu “de dentro” também, mas não apenas para desafiar a física e provarmos que dois corpos poderiam sim ocupar o mesmo lugar no espaço, mas para te carregar comigo como uma mãe orgulhosa carrega a cria, no ventre. Queria que os mundos todos soubessem que eu te amo – e para isso, eu não podia te amar, de forma alguma, baixinho... Eu queria gritar, mas em vez de explodir os pulmões eu te olhava grave e sorria; você ditava o ritmo da nossa respiração: você mandava em mim até quando não se dava conta disso!

Nos momentos em que eu não estava contigo sentia crescer dentro de mim um ódio que me transbordava e assumia proporções burlescas, infectando o ambiente como uma doença virulenta e mortal, porque não admitia que houvesse para você, uma vida da qual eu não participasse. Eu me odiava por não ser infinitamente provedor e suficiente... e odiava as pessoas, tanto quanto odiava os momentos nos quais eu não estava com você. Na verdade eu também odeio esse texto porque nele eu revelo que te amo. Eu odeio lembrar que eu não podia acordar do seu lado; eu odeio lembrar que não te falei que eu ia embora; eu odeio ter passado a carta por baixo da porta; eu odeio não ter estado ao seu lado quando você morreu; eu odeio não ter te dado a mão quando rodamos na estrada; eu odeio ter jogado perfume no seu travesseiro; eu odeio ter te expulsado do quarto durante a noite; eu odeio não ter lhe dito tudo muito antes; eu odeio não ter ficado contigo quando você me defendeu; eu odeio ter ficado sem conversar com você; eu odeio não ter simplesmente trocado a lâmpada... – eu me odeio por ter feito você chorar.

8.11.06

Bocejo

Era uma manhã deliciosa. Dava-me ao trabalho de decidir se ela era apoteótica ou simplesmente delicisosa enquanto estalava exageradamente cada uma das sílabas dessas palavras com a língua, no tempo em que as dividia, mentalmente. O corpo doía a dor relaxada e depois contida dos ossos estalando, e depois dos músculos esticando, quando eu tocava o sol com a ponta dos dedos, meio bêbado, ainda, como quem diz: agora chega, já bebi demais.

Olhava para a mochila que continha o mais supremo dos prazeres, a maior das realizações, o meu objetivo transitório: minha identidade italiana. Eu me sentia um personagem de “A Felicidade Clandestina”, mas o meu êxtase não se contentaria em achar isso da felicidade; aliás, hoje é dia de conciliar tudo e todos... ouso convidar gregos e troianos, palestinos e judeus, apóstatas e fanáticos – todos esses para comemorarem comig, egoísta que hoje sou, a minha vitória: yes, cheers, thanx a lot!

Leonardo de Oliveira Cardoso é 7 – o filósofo, enquanto Leonardo Cardoso é 6 – a harmonia! Se eu fumasse cigarros, agora eu fumaria um maço... mas como não fumo, entrego-me aos prazeres dos industrializados e dos farmacêuticos – sem culpa nenhuma, como uma galinha poedeira! Acordei às 10h30 com sentimento de dever cumprido, quase que como uma canção de vitória, uma aleluia, um sorriso maroto e sem vergolha de falar alto com mau-halito e caminhar descalço pela casa, cheio de remela nos olhos... ah, a sensação de acordar e sentir uma leve ardência nos olhos enquanto os abria – pregados que estavam: os cílios e os olhos inteligados pela camada espessa e amarelo-esverdeada da remela seca. Um sorriso sem-vergonha estampado no rosto e o orgulho de dizer, como primeira frase do dia: the bitch is back!

Hoje eu sou tudo.... sou κενμαπδν, sou כהנמאפדנ, sou كهنمافدن, ԻԵԾԽԱՁԴԾ, КЄНМАПДН ou talvez Leonardo Cardoso - italo-brasileiro! Hoje eu não estou: eu sou. E não preciso de nenhuma corrente pra matar gente porque dentro de mim estamos todos acordados: somos so me, myself and I.

31.10.06

Amor ao Contrário!

Ja fazia um tempo que eu queria falar sobre Palíndromos. Palíndromo é o nome do fenômeno em que as coisas, ao contrário, são elas mesmas. A maior delas, em Português, é a sentença: “Socorram-me subi no onibus em Marrocos”. Outros palíndromos simpáticos são: radar, mussum, ovo... Amor, ao contrário, não é amor, mas Roma. Não que Roma seja odiosa ou que não se possa amar em Roma – muitíssimo pelo contrário! No entanto, achei simpático lembrar das palíndromos antes de abrir o tópico.

Incrível como somos capazes de mudar, evoluir, perceber as coisas, mas logo quando cheguei a Roma, o Jim me disse que no dia em que o Coliseu cair, Roma cai.... e no dia em que Roma cair, o mundo se acabará. Não sei quem é o autor dessa frase, mas sou obrigado a concordar com ela e acrescentar que Roma é algo indescritível e completamente inexplicável – é para ser visto e venerado, apenas. Fotos não fazem jus à beleza e a tudo o que lá se encontra. Eu me reservo, inclusive, ao direito de guardar comigo as coisas que vi porque, de acordo com Madredeus, “quem contar um sonho que sonhou, não conta tudo o que encontrou: contar um sonho é proibido!” Sim, claro que eu estive muito bem acordado e que as diversas bolhas nos meus pobres pés são testemunhas dos dias adoráveis que passei por lá muito bem acompanhado. Na verdade, digo até que lá em cima eu estou muito bem cotado porque eu não sabia que eu merecia tanto... não mesmo!

Mas, no entanto, cada um tem seus motivos para gostar ou desgostar de algo... Dizem que gosto e nariz, cada um tem diferentes. Não digo que há pessoas que não apreciariam tudo o que se encontra apenas em Roma... na verdade eu duvido que exista alguém que não se maravilhe com a grandeza da cidade, ou com a capacidade humana estampada em cada um dos monumentos dali! O fato é que há pessoas que a veriam como um monumento à vaidade humana, outros, como eu, apenas se entregariam – e ponto final. Eu amei cada segundo que passei na cidade, mas o que mais me chamou atenção foram a Fontana di Trevi, o Panteão, a Cripta dos Monges Capuccini, o Forum Romano e claro, o Coliseu. (os nomes podem ser clicados)




Eu sei que é impossivel ir à Roma e deixar de visitar diversas das muitas Igrejas da cidade que é o coração do Catolicismo. Claro que eu fiquei extasiado com os locais que visitei e com as coisas que vi. Entre os momentos em que eu me sentia burro, eu ficava boquiaberto – sim, burro, porque tem tanto o que se saber sobre Roma... e saber sobre Roma é ter que conhecer a história do mundo! Eu senti algo ainda mais profundo que todo o êxtase histório e fático que eu poderia sonhar em sentir em Roma. Algo mais profundo, mais intenso ainda me aconteceu lá: aconteceu a conciliação da razão com a minha fé. Não falo de paz interior e nem de conversão, mas de sentido.... de repente, tudo fez sentido e muitas peças encontraram seus pares e o quebra-cabeças ficou mais organizado. Ok... confesso que eu encontrei muitas respostas para as quais eu ainda não tenho condiçao de formular as correspondentes perguntas, mas isso não faz com que a minha jornada mistico-intelectual fosse menos intensa. Na verdade, ainda estou em êxtase – meus pés não tocaram o chão desde que eu voltei – e não estou falando das bolhas!

Uma das coisas mais fantásticas que se pode perceber em Roma é o fato de que tudo é histórico, tudo tem valor cultural, tudo remete a um tempo em que eu, ao menos, imagino em que as coisas eram mágicas, quando a vida era mais mágica, enfim. Sim, sinto falta da mágica nos dias de hoje. Magia no olhar das pessoas, magia nas ações, no cotidiano. Essa mágica, no entanto, ainda existe, e diante da companhia certa, não importa onde se esteja, o que se faça, o que se diga: a mágica ressurge do nada. Alguns chamam essa mágica de conhecimento, outros de satisfação, outros de fé. Minha estada em Roma teve tudo isso! E eu não tenho condiçoes de descrever o que aconteceu por lá... somente os iniciados têm condição de saber o que aconteceu.

Acontece que eu estive diante de relíquias históricas e sagradas. Pode ter sido isso... Isso, por si só, ja seria suficiente pra fervilhar a mágica da qual estou falando. Acontece que eu não sei se mais históricas que sagradas ou mais sagradas do que históricas, mas o fato é que diante delas eu fui tocado diretamente no coração e senti-me lisonjeado pela oportunidade de poder abri-lo novamente, e decidir – de bom grado – que eu mais que apenas ouviria atentamente ao que meu anjo me dizia, mas que eu daria sentido a tudo aquilo. E de repente sorria: já era felicidade.

Meus dias em Roma me deram a oportunidade de ver relíquias as quais me deram a chance de me reconcilar – já disse... mas não disse que a porta que elas abriram – ou fecharam, não sei, mexeram com os alicerces do que eu acreditava ser tão concreto, mas tão concreto, que pensava que eram até irretocáveis, perenes, num sentido estrito e definitivo. Senti, de perto, o poder do tempo. E o tempo me mostrou que eram concretos sim, meus alicerces, mas que os mesmos não eram eram decididos como a flecha, mas acentuados como o gosto do tiramisù, ou leves como o ar, mas trêmulos como o topo da panacota... esses alicerces não eram mais lindos como o Panteão, sedutores como a Basílica de São Pedro, ou inebriantes como vinho: meus alicerces tinham o tamanho do amor.



O amor, em Latin, pode corresponder a varias coisas: ágape, eros, storge, pragma... eu fui tocado pelo amor quando eu coloquei os pés na primeira das Igrejas que eu visitei, e decobri que nela estariam os restos da manjedoura onde Jesus nasceu, ou quando n’outra se encontravam os crânios de São Pedro e de São Paulo, ou que numa praça, num obelisco, estariam lascas da cruz em que Jesus foi crucificado, ou quando apoteoticamente fui seduzido pela Basílica de São Pedro, e suas indescritíveis imagens. Eu via, cria... ou cria porque queria: a fé tem dessas coisas. Eu já tinha visto o Sudário em Turin, mas foi em Roma que eu entendi que o que é belo é verdadeiro.

Tive a impressão, por várias vezes, que eu estava velejando por mares agitados e perigosos dentro de mim mesmo a cada inspiração, a cada respiração... só tive paz quando passei a confiar na embarcação na qual eu iria me apoiar, uma linha de pensamento na qual as coisas todas fariam sentido. Sentido para mim, é claro, porque se eu revelasse o que é de mais intenso e interno em mim, não faria sentido, ou seria necessário, ouvir as batidas do meu coração. Sim, eu pensava comigo: pra que somar, se é possivel dividir? Era o mais doce dos meus cérberos, que a essa altura não passava de um filhotinho a procura de um dono. Eu fora domado!

E foi assim que eu reduzi milênios de civilização em dias de peregrinação intensa. Reduzi a história de um dos centros da humanidade à historia do meu encontro com o mais secreto de mim mesmo – que eu mantinha amordaçado e encarcerado na mais suja das celas do meu pseudo-inconsciente. Em Roma eu libertei-o. Libertei-o, e agora ela conhece o caminho da liberdade, e por isso, agora, pode ir e vir, ir e vir, ir e vir, ir e vir... e vai, sem medo das cicatrizes.

30.10.06

Fatias Finas de Verdade...

O Futuro do Pretérito

Eu também tenho meus momentos de inércia, em que eu me pego olhando pro teto e relembrando das coisas que já fiz na vida. Não, não tenho tanta experiencia assim... na verdade eu sou apenas um filhote de pombo que já perdeu um dos pés. Daqui a uns anos eu posso vir a dizer que não perdi um pé, mas que eu que não percebia direito o poder das minhas asas... até lá eu penso que me verei como eu me vejo há anos: um saudosista do futuro.

Correntes de Ar

Engraçado pensar que o trabalho é o período (des)necessário entre duas férias... este é o tempo em que eu fico fazendo companhia para as lembranças. Rio delas, choro com elas: elas me emocionam como no momento em que ainda eram neonatas, ou simplesmente verbos. Gosto das lembranças assim como eu gosto dos verbos... Sim, lembrar também é um verbo, mas diferente não na transitividade ou nas previsiveis conjugações, mas na possibilidade de serem refeitos, recriados, reciclados, enfim, para que a palavra que deveria ser dita possa, então, ser dita, em vez de se calar, ou que o ato que não deveria ter sido praticado possa ficar no esquecimento, e tornar, com a possibilidade da ação ou da omissão, perfeita, a lembrança. Assim eu me lembro do que deveria ser, perfeito, e não sinto o arrepio que segue do arrependimento sinestésico quando lembro ser imperfeito.

Conciliação

Morre-se com o impossível, vive-se com a possibilidade...
Odeia-se a passividade, detesta-se a cólera: vive-se filosofando!
Obedecem-se aos sentidos: todos os sete. Respeita-os.
Dou-se o direito de me espantar com o óbvio e com o milenar.
Comunga-se com o cheiro do mel e figo, com o gosto da vitela da vó;
Urgencia-se a calma assim como evita-se a perfeição – ou finge-se, quem sabe?
Exercita-se com a mente, brinca-se com o corpo.
Ri-se do cansaço, da piada, do sorriso tímido, enfim...
Batiza-se também com água das conchas e dos aquedutos;
Expia-se com bolhas e saudades, com o frio da surda noite;
Evangeliza-se com sabedoria extraída tanto dos livros como dos tempos!
Babel faz sentido porque as línguas se reconhecem.
What’s simple is true....
A união do profano e do religioso se mostra uma verdade só:
Apolo e Dionísio,
As Madonnas,
Gin e tônica...
Sarará Crioulo!
Uma fotinha pré-Roma prá ilustrar um pouquinho....
Em breve, fotos da viagem que nunca vou esquecer!

20.10.06

Why do We NEED Superman?

Certo… não é novidade – não fui eu quem primeiro fez tal pergunta, sequer é novidade esta analogia, mas, afinal, quem precisa do Superman? Quer dizer, será que não somos suficientes e precisamos acreditar em algo maior, algo que satisfaça a nossa necessidade de sermos protegidos? Precisamos realmente de um ser sobre-humano dotado de super poderes e de uma bondade tão docente que cansa o ego, para nos salvar dos problemas advindos do resultado do nosso livre-arbítrio? Não sei também apontar os motivos pelos quais sentimo-nos seduzidos pela necessidade de naão parecermos sós, mas o fato é que, em algum momento, sentimo-nos e precisamos não de ajuda, mas de puro exemplo - desde que não seja do rebanho! Também não sei o porquê de necessitarmos de uma razão para a qual fomos criados, e/ou por que nossa raça se tornou o topo da cadeia alimentar do nosso planeta. Eu creio! Creio em tudo desde os meus pés, até o que me escapa - por isso serei salvo? Salvação, proteção.. .qual a diferneça, no fim das contas? Eu protejo minha família, provido-a, mas o caos me escapa; e continuaria escapando se minha família se ocupasse, mesmo que fosse, única e exclusivamente, da minha sobrevivência – assim também seria se criássemos uma corrente perfeitamente organizada e funcional em que um cuidaria de quem estivesse a sua frente. Não que eu seja niilista – muito pelo contrário – eu creio até demais no Super-homem: eu gosto de martelar totens sim senhores, mas não me aprazo em ser só. Na verdade o impulso do rebanho me faz conversar com o superman, ou mesmo com o seu pai, em Kripton, de vez em quando. O problema é que ele esta lá – diferente do super-homem do filme, e para não ter que deixar de ser criatura de um ser infintamente superior a ele, nos foi dado o livre-arbítrio, para que ele se faça a mesma pergunta que também fazem os meus parasitas, cujas vidas dependem da minha e, por que não, da minha vontade: por que percisamos do super-homem?

9.10.06

Um Objetivo Perene!

O Juninho saiu, a Tathi saiu, o tio trabalha – todos saíram. Estamos eu e a tia em casa – o que significa que estamos ambos sós: ela lendo Sentinela; eu aprendendo descontraído. Sim, descontraído, porque eu me dava conta de que assim como Marilyn e Elvis, Zaratustra também não conseguiu morrer, enquanto passava a ponta do grafite por entre o vão das unhas da minha mão. Mas foi apenas por isso... se eu continuasse a olhar para baixo talvez eu não tivesse descoberto tal novidade. Não sei o que eu descobriria se estivesse olhando pra baixo ou para os lados. Não sei nem se importa a direção pra onde eu olharia… afinal, se até os mais corajosos raramente têm a coragem para aquilo que realmente sabem, eu prefiro apenas desconfiar. Mas não quero falar do que desconfio nem do que penso ter certeza. Estou decepcionado! Eu estava excitado com a minha visita ao bar em que Nietzsche costumava freqüentar aqui em Torino, mas ontem, quando vi as cenas finais de “Os Dias de Nietszche em Turim” e me deparei com as imagens em movimento de um ser distante que não se parecia nada com um Übermensch, e não demonstrava nem um pouco da vontade de poder. Cheguei a pensar que, sendo aquele seu cárcere, o silêncio também poderia ser uma convicção. Mas não... prefiria Dionísio e Apolo juntos! Também não fui adiante com a idéia porque me lembrara que havia sido lançado um novo DVD da Bethânia chamado: “Música é Perfume”. E Lembrei que eu o queria! Mas também queria tirar o aparelho dos dentes! Ai, como ele está incomodando… dias atrás meu dente incisivo lateral inferior direito sangrava muito e eu acabei mudando minha posição de dormir para que ele melhorasse. Aliado com doses paquidérmicas de água oxigenada a boca parou de sangrar. Hoje o dente só incomoda um pouco, mas a vontade de ver o documentário da Bethânia só cresce! Cresce como os meus cabelos que já não têm corte e caem mais do que nunca. Ouvi dizer que cabelo grande cai mais que cabelo curto… espero que seja verdade porque eu me divido entre cortar os cabelos para não ter que penteá-los mais [penso em máquina 2 ou 3!] ou aguardar mais um tempo até que ele cresça o tanto que eu preciso para fazer um corte razoável. Enfim, de qualquer jeito o destino do meu cabelo é ser cortado. Não tenho muita paciência com ele, assim como ele não tem muita paciência comigo. Acho que nos odiamos.. ou somente ele me odeia, pode ser. Eu o hidrato, penteio, tiro as caspas, mas ele insiste em suas convicções e teimosia de só ficar do jeito que ele bem entende… ele nao me ouve! E me lembra os dias em que lavo a louça do almoço lendo Clarice Lispector, ao som de Britney Spears que meu primo coloca. Uma vez ele me disse que era um paradoxo ler Clarice ao som de Britney, mesmo que a ponte fosse a louça sendo lavada. No fim, tudo remetia a ficar limpo, limpo! E de vez em quando discutimos moral, normalidade e, por que não, higiene? Higiene é uma questão moral Posso estar sendo cruel, mas minha luta com meu cabelo me faz pensar no que devo fazer com o catarro que vem parar ocasionalmente na minha boca: cuspo ou engulo? Fico pensando nessa fixação anal que os nossos pais nos repassam de não sei quantas gerações ao nos ensinarem que o corpo é desprezível! Não acho que o corpo seja desprezível ou sujo; muito pelo contrário, sou orgulhoso do funcionamento do meu corpo, e diferentemente do que a grande maioria age, não tenho nojo do que o meu corpo fabrica. Há sim coisas que o corpo rejeita, mas mesmo assim eu não tenho nojo delas. De vez em quando eu engulo catarro sim, e daí? Tem gente que coloca tanta coisa na boca, então, por que não? Ai… tem gente que tem nojo de lavar louça, mas principalmente de lavar panelas. Pergunto: Se o que está nela são sobras do que se comeu com muito bom grado à mesa, o que faz desta algo repreensível? Ai, ai… Não entendo mesmo! [Será que eu faço questão?] Fico pensando, por causa disso, que eu não lutaria pela vida se sofresse um desastre aéreo sobre o oceano. Fico procurando motivos pelos quais lutar, mas só lembro que o aparelho está incomodando e que a caspa do cabelo está coçando - e porque morro de preguiça de lavar louça, apesar da minha mania de organização! Quer dizer, depois do banho a segunda ainda persiste? Então por que lutar pela vida diante de um desastre de avião? Talvez uma nova dissertação me salvaria; algo como relacionar os meios de produção com as respectivas representações religiosas no decorrer dos tempos. Mas e depois? Como encontrar um objetivo perene? Um objetivo perene que valha a pena… Cortar as unhas! As unhas crescem depois de cortadas - seria um exercício de paciência esperar pelas unhas crescerem para depois cortá-las de novo. Não… seria como um inferno pessoal [se eu acreditasse em inferno], como cortar a grama do Maracanã com um alicate de unha: quero um objetivo, não um castigo! Vou comprar o DVD da Bethânia! Procuro um objetivo amanhã… Afinal de contas, minhas unhas já estão suficientemente aparadas.

3.10.06

Velha Infância

Olha o que a Lu me mandou!
Lembrei da época do meu Nintendo [que Deus o tenha]...
Vale a pena ver até o final.
Quem jogou Super Mario Bros vai ficar de bobs!

Eu não sou suficiente!

Eu não precisei fazer nada para ser amado, assim como nada precisaram fazer os que amo e me cercam - eles apenas “são”, e isso é suficiente. O melhor de mim é o fato de eu não ser nada além do que eu simplesmente sou, e maravilhoso é o fato de “ser”, ser suficiente para ser amado, e amar. “Ser” é acreditar – e acreditar, sorrindo! Ou chorando, talvez, mas não porque se está triste (há beleza demais na vida), mas porque sinto felicidade! Pai, mãe, Lu, graças à Deus eu lhes dou o devido valor enquanto estamos ao alcance uns dos outros! Amo... não, eu não amo vocês... o que sinto por vós ainda não tem nome!


Laços de Família

Tocava Marisa Monte naquela noite de frio típico, em Turim. O cheiro de costela cozinhando invadia o quarto, pairando como perfume forte de inverno, tornava cada vez mais peculiar a cena do filho deitado no chão em posição complexa – quase uma ásana!, segurando uma chave-alen, enquanto seu pai escolhia minuciosamente, com raciocínio matemático, o parafuso que se adequaria à fenda, com precisão curúrgica: aquele monte amorfo de metais se tornaria, em minutos, um beliche. A mulher trazia um copo de cerveja para seu marido e a filha mantinha-se absorta à cena familiar, concentrada em fechar o velcro da jaqueta, e a observar as orquídeas na tela do seu computador. Todo o apartamento 14 do Corso Vitorio Emamuelle vibrava com energia bucólica, não pela familiaridade da imitação do Brasil, mas pela família que se unia pacífica e sagradamente no quarto dos filhos, naquela noite profana em que deixaram de reunir-se no salão do reino, para reunirem as peças do beliche.

Sim, estava frio lá fora – Ceres não mais aguentava de saudades de Perséfone!, mas o calor dos corações daquela família era suficiente para escaldar todo o apartamento. Ouso dizer que seria capaz de adiar todo o inverno! Materna como convém a uma fêmea, a mulher desdobrava-se, ora na cozinha, procurando pelo ponto certo da costela, ora no volume e temperatura ideais da cerveja servida ao marido que bebia pseudo-displicentemente enquanto juntava as peças a serem parafusadas pelo filho - como quem unia não tubos de metal, mas como quem metaforizava em cada um dos quatro pilares beliche, um membro da sua familia que dependia da sua força para manterem-se unidos; o filho, por sua vez, grave, fazia da sua missão de apertar os parafusos, não apenas parte do que seria, em minutos, um beliche, mas na tarefa mais precisa e complexa do mundo, que era aplaudida com aleluias, entre cliques distraídos de mouse – ambos reverberantes, a cada junta que não mais se soltaria: era o retrato de uma família feliz. A paz fora restabelecida em comunhão, na partilha da montagem do beliche.

A Arca da Aliaça fora consagrada: nada parecia poder desatar os nós daqueles laços de família. Marisa ainda cantava, mas o cenário agora era a cozinha, conde mesmos pilares equilibravam suavemente, em volta da mesa, uma felicidade efêmera, estontiante como o cheiro da costela cozida. O bezerro fora sacrificado em prol da glória daquela família, que era a mesma de sempre, consumando à mesa, em santa ceia, aquela paz que, de tão inesperada, chegava a doer. Doer de felicidade. E como num milagre, cada membro daquela família repetia, ritualisticamente, cada passo de todos os dia, mas hoje, especialmente, inspirados pelo regozijo da montagem do beliche, nada era esdruchulo, então o filho comia manejando os talheres com calma e cuidado, levando a carne suavemente ate sua boca, mordendo a ponta do garfo e lambendo os lábios enquanto preparava outra e outra e outra garfada; a filha segurava os ossos da costela com as maos e mordia fortemente a carne suculenta, ininterruptamente, até que o caldo grosso escorresse pelos cantos da boca; o pai orgulhoso, de peito estufado, sorvendo a cerveja e comendo o jantar que a sua esposa, ha quase vinte e cinco anos, sagradamente cozinhava, na sua funçao prazerosa de prover, dava graças por todos estarem juntos e compartilhando.

1.10.06

Bliss

Num quarto de hospital uma senhora espera pelo beijo da morte, mas não se sabe sequer se a nossa senhora quer jogar com a morte, enfim. Enquanto isso, do outro lado estamos nós ansiando por uma casa maior – uma morta não precisa de casa, argumentaram alguns, mas nós sim, completaram. De volta ao hospital, sabemos que a senhora é deixada para refletir e comungar com seus cistos – ou seus cistos que querem se reconciliar com ela. Talvez até tenham se tornado companheiros, afinal, já que fazem-se, agora, mútua companhia. Sós, uns com a outra. Nenhum dos filhos está por perto. Apenas os cistos estão por perto… muito perto, diga-se de passagem. E a gente contando os dias, contando os suspiros… acompanhando cada segundo junto do relógio – afinal, queremos a casa! Então a senhora se vai e o apartamento fica vago: a apartir daí a euforia não é mais apenas dos recém-promovidos condôminos; é também da prole que agora decidirá sobre o que será objeto de espólio e o que será deixado na casa, para a sorte.

Depois do vilipêndio, ficaram os óculos grossos sobre um cesto de linhas e agulhas, dois travesseiros e um terço. As palmas abençoadas em procissão também ficaram, mas nenhuma dessas sobreviverá a uma nova peneiração, agora promovida pelos posseiros, também conhecidos como, simplesmente, recém-promovidos a condôminos. As palmas sairão das paredes, o crucifixo foi para o lixo, e os óculos nao terão um parente que os guardará como relíquia sentimental, porque não tinha valor para o espólio. Toda uma vida reduzida a marcas de quadros na parede, e a um amontoado de pregos retirados dela, mas que agora jazem no chão – como a velha senhora recém-promovida à vida eterna. Deus, que o Senior me permita ter por perto, uma mão amiga segurando a minha na hora de eu partir. Amém.

Como era?

Depois de hibernar, escrevo do apartamento do tio Geraldo, em Torino, sobre o show da Marisa Monte em Milano e tento exaustivamente lembrar de uma palavra. Não é simplesmente uma palavra – é um adjetivo. Houve um momento em que, quebrando um silêncio teatral, um fã chama a Marisa de alguma coisa forte, mas que não é empregada freqüentemente, então toda a gente achou graça e a Marisa também deu sua repentina, uníssona e grave risadinha. Mas eu não me lembro agora da palavra... como era?

Eis o meu trecho favorito do show, em termos de performance... "Carnalismo" ficou linda, mas o palco deixa de aparecer, pra ela dar o show...




Como parte dos preparativos pro show eu procurava pelo tracking list, a fim de colocar as músicas do repertório no meu MP3 Player, mas não achava nada. Lembro-me, sim, de ter visto a lista das músicas numa comunidade da Marisa no Orkut, mas não mais encontrei. Tudo o que eu sabia do tracking list era que reunia músicas antigas como “Maria de Verdade”, “Alta Noite” e “Segue o Seco”, mas focando o espetáculo no Tribalistas e mais incisivamente nos dois novos e simultaneos albuns: “Universo ao Meu Redor” e “Infinito Particular”, numa tour chamada “Infinito Particular”. Enfim: cheguei sem saber o que esperar do tracking list.

O Teatro Esmeraldo – apesar de vermelho, era bem pequeno e, por isto, achei que o espetáculo seria reduzido a um pocket, que, aliado ao fato de eu não saber quase nada sobre as músicas do show, fez com que a minha surpresa fosse mais saborosa a cada canção. A cada acorde de uma nova música eu apertava a perna esquerda do Juninho – sempre ao meu lado, e me derretia ao dizer o nome dela, até então, apenas suposta para mim, mas completamente desconhecida para ele, cru que era em assuntos Marisa-Monteanos e que não se permitia ouvir nada que não fosse Madonna, Kylie Monogue e um monte de outras músicas filhas-únicas de cantores-de-uma-música-só, que entre outros quesitos intrínsecos somente para ele, tinha também que horrorizar, de alguma forma, a sua mãe. Mas até ele se rendeu à Marisa, enfim... Já eu me surpreendi porque pensei em um pocket, mas vi um espetáculo de tecnologia, criatividade, simpatia e principalmente, sensibilidade. Mas e a palavra, como era?

Eu fui pro show com essa música na cabeça, então, era de se esperar que fosse, no geral, minha favorita da noite: "Meu Canário".



Como seguidor da Marisa, claro que eu digo que senti falta de umas 70 músicas, pelo menos – mas não ousava tirar uma que fosse. Sim, fiquei surpreso quando ela cantou “Pernambucobucolismo”, mas como era de se esperar, até as descaminahdas se tornam preciosasas quando as ouvimos ao vivo. Tive síncopes psicóticas quando ela cantou “Dança da Solidão”, “Não Vá Embora”, Carnalismo”. O meu momento favorito foi em “Meu Canário”, que, além de ser a minha atual favorita música, contou com a participação de uma gaiola ecologicamente correta: uma graça! Também foi uma delícia ouvir os italianos (maioria no show, diga-se de passagem), com seu sotaque característico, ecoarem na saída do espetáculo, os versos: “Tô te querendo...”


Sei que depois deste show posso me dizer, em partes, realizado, porque estive na presença da santíssima trindade: Madonna, Bethânia e Marisa. Preferi não tentar foto com a Marisa, depois do show, como estratégia para manter o mito. Claro que não seria tão fácil conseguir fazer a foto – penso, inclusive, que foi providencial o último trem para Torino, antes das 5h30 da manhã, ser às 0h30, e termos que correr para apanhá-lo. E não seria apenas a foto.... seria polido dizer alguma coisa para ela! Mas o que eu diria para a Marisa se estivesse diante dela? Apesar de... como era mesmo? Do que foi que o cara a chamou? Sim! Isso! Ele gritou: “absurda!”, e todos riram. Mas ao contrário do que disse o cara na platéia, eu não diria que ela era absurda – não diante dela.... diante dela eu teria que escolher melhor as palavras, e além do mais, eu estava preparado psicologicamente pra vê-la cantando, apenas. Eu não saberia o que dizer para a Marisa Monte, que não é apenas uma cantorinha qualquer... ela equivale ao Espírito Santo, na minha trindade! Não é medo de sofrer – que isso fique muito claro! O problema é que eu teria que ficar outras horas pensando no adjetivo certo.... qual seria mesmo?

Humor


; um, nu, só, dor, fim.

Morto, ímpar, ilha feio, órfão, mudo, seco, qualquer, nada.

Esquerdo, errado, solteiro, saída, mórbido, vazio.

Monossílado, estrangeiro, dissociado, imperfeito, incompleto:

Sorte rima com morte!


26.9.06

Pergunta Retórica #1.

Deus seria capaz de criar uma pedra tão pesada a ponto de ele mesmo não conseguir levantá-la?

19.9.06

It’s Just Elegant! (ou “Sofrendo com Legenda”)

Muitos me perguntam sobre o porquê de eu não escrever sobre Torino, ou postar fotos dos lugares e dos acontecimentos daqui. Ao contrário do que podem pensar os negativistas e os niilistas, sim, eu vivo aqui e estou muito bem: Obrigado!, mas creio que parte da minha inércia literária (se é que posso chamar assim) se deve ao fato de eu ter me surpreendido com a drástica constatação de que a vida sadia que eu levara até agora pareceu-me um modo moralmente louco de viver – e sucedeu que aqui eu tenho perenes borboletas no estômago porque agora é a liberdade que me faz carinho. Hoje sofro com legenda por não ter provocado tal maravilha na minha vida tempos antes, já que exalamos felicidade por cada um dos milhares de poros espalhados pelo corpo – disfarçada de feromônios [e insistimos em usar perfume!]. Explico: é que na concepção Aristotélica de felicidade eu estaria convivendo com doses ascentendes e ininterruptas dela, o que faria de mim um potencial Foie Gras ambulante, cuja felicidade seria maior do que meu – agora – burguês fígado consegue digerir. Além do mais, como diria Marilyn Monroe em Seven Years Itch: "It’s just elegant" estar não na Europa [lembram-se do ditado que diz que pode-se levar o asno até a fonte, mas que da água ele somente bebe se quiser?], mas diante de cultura em níveis burlesco – mais, pelo menos, do que eu consigo digerir! Isto é felicidade pra mim sim; tanto quanto descobrir que eu sou um discriminador em plena atividade, mas do tipo que reconhece que tentar mudar os outros – mesmo que dotado das melhores das intenções, também é ser preconceituoso. Sim, extremamente feliz porque, como quem trata de um câncer, eu tenho a possibilidade de cortar o mal pela raiz.

Entre uma crise existencial e outra eu visitei muitas praças, monumentos, relíquias – não garanto, entretanto, que absorvi metade das coisas que vi nestes lugares ainda [na verdade eu ainda não consegui conceber que eu estou na Europa! – tamanha é a minha felicidade por estar aqui...], além do fato de lutar para aprender Italiano. O problema de estar aqui é o fato de que não basta ver, mas também há de se sentir as coisas, saber o que está por trás delas, entender o impacto das mesmas numa civilização centenas de anos mais tudo ou menos tudo – depende do ponto de vista – que se pode imaginar. E acrescento que o próprio estilo de vida das pessoas daqui me fascina: it’s just elegant!; o transporte público me fascina – não tanto como as maneiras de burlar o pagamento dos bilhetes: it’s just elegant!; os orgulhosos e calmos cachorros praticamente zen-budistas que levam seus donos pelas alças das suas disfarçadas coleiras [mal percebem seus donos que eles são os bichos de estimação]: they’re just elegant!; as lindas negras orgulhosas de sua raça e beleza que ostentam o seu estilo pelas ruas de Torino nos seus penteados que conservam suas raízes raciais [sem fazer aquele alisamentos fedorentos e ressentidos]: they’re just elegant!; a babel na Porta Palazzo: it’s just elegant! e principalmente o véu bege de cetim que se tem diante dos olhos que torna blazê todas as cores [talvez já cansadas de ser] da Itália. Os eucalíptos-canadenses também são um show à parte, porque they’re just elegant, e, além de perfume, dão forma pitoresca [e elegant] ao lugar, e que também são responsáveis por eu perceber [elegantly], todo dia de manhã, através do olfato [elegant também graças à vacina antigripal que tomei ainda no Brasil], que eu estou não na Europa, mas numa linha imaginária que não mais é a do Equador, onde eu acostumei me situar, mas algo do tamanho da minha imaginação... [elegant?] Adquiri, aqui, um passatempo, que se tornou um dos mais divertidos dos que eu tenho memória: adoro contemplar as construções e observar as colunas, analizando e rotulando-as [que irônico] como jônicas, dóricas ou coríntias – na verdade não é mais um simples passatempo, tornou-se uma compulsão neurótica, como as que eu normal e naturalmente coleciono. Compulsão como a de, por exemplo, ouvir o som das rodas da mala de viagem sobre as diferentes superfícies das calçadas das cidades, no Brasil. Itália, Itália! O próprio som do nome deste país me faz pensar que estou pisando sobre o mapa da escola secundária, nas tediosas aulas de geografia! Estou num paraíso de história, e que me faz, de certa forma, temer o inferno...

Mas a Itália se torna física quando vejo que estou ao lado do Estádio Olímpico onde aconteceram as Olimpíadas de Inverno, ou que Torino é o lar do Juventus – o time de futebol, cujos jogos acontecem do lado de casa e que são responsáveis por não existir lugar para se estacionar perto de casa. Ah, o trânsito de Torino! O trânsito é uma piada à parte, mas nem um pouco elegant: como é louco o trânsito em Torino, com seus carros estacionados nas esquinas, ou sobre as faixas dos pedestres, ou em fila dupla nas ruas de sentido único. O mesmo trânsito em que os carros não obedecem aos sinais – nem os vermelhos.. quem dirá o verde!? Digo que quem dirige em Torino dirige vendado em qualquer grande-centro do Brasil... Ah, as autoridades não estão nem ai... Olha onde e como o carro foi estacionado!

A língua é outra coisa extremamente curiosa e nervosa! Por mais drástico ou engraçado que pareça, tenho a impressão de que, tentando falar Italiano, aprendi a falar Espanhol! Parece que, no fim das contas, o Espanhol seria um resultado da mistura do Italiano e do Português... Tem um mês que eu estou aqui e digo, sem falsa-modéstia, que compreendo tudo o que se fala comigo, mas a minha língua ainda se recusa a falar Italiano! Fica parecendo que se tem uma surpresa muito grande muito bem preparada e escondida – mas que está guardada à sete chaves e que somente revelar-se-á no momento certo.
A Itália se torna palpável quando eu apresento fotos de mim na Praça Statuto,

diante do meu monumento favorito, ou da Igreja Madre del Dio [que tem colunas coríntias!] e da torre no monte del Capuccini – tudo pertinho do rio Po.

Eu cercado por ruínas romanas milenares

e de um teatro,

de todos os lados em frente ao Museu de Antigüidades e da Igreja Central de Torino, que conserva no seu interior o Santo Sudário (sim, eu estive lá!).

Universo Particular!

Vai soar pomposo da minha parte, mas é pra soar mesmo: depois de ver a tia em Londra, no dia 27 de setembro, em Milano, verei uma das primas – Marisa Monte, em carne, osso e voz! [risos] De-repente pareceu que eu teria direito de dizer que, já que perdi o show da Marisa no Brasil, vim prá Europa prá não perder esse também! [Sim, eu tô me sentinto nas nuvens!]

O Filatelista (ou “O Lavrador”)

Olha que cena curiosa: eu, um neo-paganista na Itália – berço do catolicismo, convivo com Testemunhas de Jeová e Adventistas do Sétimo Dia! Eu me comporto mornamente entre todos eles [e não, não serei vomitado! Estude a história por traz da Bíblia antes de dizer asneiras!] porque eu tenho a minha ideologia e conviver com a alheia, na pior da hipóteses, traz crescimento intelectual e, com isso, tem-se mais escolhas. Não sei falar de números, mas a lógica diria que as chances disso acontecer num país como a Itália seriam muitíssimo pequenas... mas é verdade: estou no meio do fogo cruzado de uma guerra fria! Por isso, acabei me tornando, aqui, um colecionador de selos. Ouço falar de selos o tempo todo, de tantos que foram abertos e de um coitado e solitário a ser aberto, que coincidirá com o fim dos tempos. Este último, por sua vez, é tão aguardado que eu ousaria dizer que, assim como se fala tanto no diabo em certas religiões, o fim do mundo é quase que a abertura de uma feira agropecuária para outras, com direito a fogos de artifício em show pirotécnico e estandes de mostra, comidas típicas e tudo mais, como na música da Rita Lee, em que ela vai "entrar no capote de camarote"! Mas o problema é que esse camarote é tão disputado, e segundo cada lado, seriam poucas as vagas para apenas e tão somente aqueles que da sua versão da verdade compartilharem. Acontece que os entusiasmistas do apocalipse ja previram o fim do mundo no ano 2000, usando e abusando da máxima: "de 1.000 parassá, de 2.000 nao passará", e eu, num prazer quase doentio, deleitei-me não porque o mundo nao tinha se acabado, mas porque eu podia contradizer um dogma do qual eu não compartilhava. Prazer doentio sim...

Tendo certeza de soar muito irônico [nem tento fingir mais que não era a minha intenção, sabia?], se somente Deus e Jesus Cristo deveriam saber o dia certo, qualquer pseudo-premonição feita por qualquer mortal, em dias alternados e consecutivos bastariam para adiar o fim dos tempos, ja que outro ser, além dos que deveriam saber, o saberia... isto estragaria os planos e, por si só, destruiria outro dogma. Alguém me disse também que era prevista a volta de Jesus num ano preciso do século XIX, o qual não me lembro, mas que, segundo a lenda, não aconteceu, mas usaram a mesma data para explicar um evento metafísico, incapaz, portanto, de ser provado, mas que satisfazia o rebanho e não contradizia os dogmas. Conveniente, não? Além do mais, o Concílio de Nicéia fez tranto estardalhaço do trabalho de Jesus contado séculos depois [quem conta um conto, aumenta um ponto, não é verdade?] que se a ressurreição do Deus não fosse precedida de um alinhamento perfeito de todos os planetas [e os canditatos a] – do Sol até Sedna, não teria graça, ou não seria suficiente para acalmar os ânimos... além do mais, tranformar água em vinho, no nosso mundo capitalista, não seria grande coisa, até porque, já que se pasteuriza leite azedo até cinco vezes e coloca-se à venda para consumo, nos dias de hoje, Jesus ressuscitado teria que ser um alquimista que transformasse lixo nuclear em ouro! Ou em dólares? Preciso urgentemente de um economista aqui e agora!

Eu creio que o fim dos tempos está proximo sim, mas dos tempos da atual potencia capitalista do mundo – os E.U.A., como aconteceu com a Grécia, por exemplo, ou a U.R.S.S., e/ou do Catolicismo, como aconteceu com o politeísmo grego: eis o fim do tempos no qual eu acredito... uma potência falida cendendo lugar à outra! Agora, não creio no fim do Catolicismo, como creio no fim dos E.U.A como superpotência, mas no gradual e inevitável processo de perda de influência e conseqüente discrição do seu poder. O vô João Paulo II pediu perdão pelos crimes cometidos pela Igreja – acho que o simples reconhecimento das intenções perniciosas dos velhos tempos ou da má admistração é sificiente para esboçar um sorriso meia-boca, mas não é suficiente para perdoar. Bem, não é sobre isso que eu venho dizer aqui nesse Post, então que remoasse essa mágoa numa outra oportunidade. Mas temos que reconhecer que o catolicismo simplificou a fé, tornando-a mais acessível [Mais uma vez não estou analisando os motivos, mas as conseqüências]. Palmas para os homens que acreditam que Deus criou a religião! Palmas para os homens que acreditam que religião salva! Palmas para o catolicismo e seus 2006 anos de cristianismo pregado! Palmas por isso tudo, mas principalmente por dar esperança àqueles que somente sabem procurar, procurar, por dar esperança àqueles que, por necessidade alheia, precisam se manter na base da piramide social, sustentando as camadas superiores, dando sempre, graças à Deus! Estes sim, precisam de organizaçao da sua fé, mas não porque não têm capacidade, mas porque há interesse de que se mantenham no rebanho!

Sabemos que nada se cria, mas se transforma, e a nova era na qual tanto falam os materialistas neuróticos, entusiastas do fim do mundo, que terão, em troca de subserviência e lavagem cerebral comuntária tantas vezes quanto necessárias, por semana, terão não sei quantas virgens esperando por eles ou um paraíso branco e enuviado para alguns, campos verdejantes e água corrente para outros, está para chegar. Alguns entusiastas do fim do mundo ainda acreditam na imagem medieval de inferno e danação eterna, mas outros também crêem em céus e infernos particulares... outros acreditam em dimensões e na evolução da alma para realizaçao de carmas.. o fato é que toda realidade é inventada, e o que a torna real é a quantidade de pessoas que nela acreditam: basta que umas poucas plantem sementes e exponencialmente, sejam colhidas as suas ideias. O resto é metafisica e teodiceia...

30.8.06

Depois dos "clacks"

Como bem disse o meu querido amigo Rodrigo, eu tenho meus momentos de "clack", quando estou prestes a quebrar por qualquer coisa: "Acabou o suco..." - clack!; "O sol nasceu..." - clack!; "Avistei um cachorrinho mancando..." - clack! [barulho de vidro trincando]

Tem dias em que percebemo-nos hipersensíveis. Eu o sou todos os dias, como ciclotímico assumido, mas em certos dias a melancolia é tal que tudo é capaz de trincar a capapaça quebradiça, e num "clack!", eu caio em pedaços, destruído... usando mais reticências que de costume... evitando acentos, como de costume. No fim a sensação é a de que eu explodiria menos se fosse mais sincero, e como dizem por aí: "nada como um dia depois do outro."

E para comemorar, baixou encosto de Steven Klein e sairam essas fotos hoje!




Fazer carão assim me lembra a Lu....



So... STRIKE A POSE!

29.8.06

A Força dos objetos “Inanimados”


Agora a pouco eu pedia ao Juninho que procurasse, pela última vez, um texo que, por acidente eu apaguei. Talves esse texto não tivesse tanta importância, mas pelo fato de ele ter fugido de mim, eu o superestimo. Como aquelas coisas das quais somente sentimos falta quando as perdemos. Eu mesmo tenho me acostumado com esse sentimento de perda pelo fato de senti-lo muito freqüentemente esses meses.

Antes de começar a escrever esse texto eu pensava em como seria a vida das coisas inanimadas, e como elas se vinculavam às nossas. Algumas pessoas pensam que os serem humanos são não o centro do universo, mas o centro da criação... o objetivo máximo desta, a obra-prima: não sei quantos graus, portanto, acima do, aqui, mero geocentrismo – para alguns, humanocentrismo. Uma vez li que o ápice que qualquer coisa pode alcançar é torna-se um ser; mas “ser” é tudo o que é. Portanto, o que me torna diferente de uma pedra é o simples fato de que somos seres diferentes, mas cada um com sua inteligência implícita, nada de graus diferentes de superioridade ou nada de irracionalidade. Sim, dizemos que os animais são irracionais, mas dentro de um padrão de inteligência medido a partir da padronagem humana, a qual os animais tidos como irracionais somente poderiam chegar se eles se tornassem humanos, assim como perfeição, que é um atributo divino, o qual os homens somente alcançariam quanto tornassem-se divinos. Acho que por isse sentimento de vazio, mas mascarado pela pretensão, costuma-se limitar as coisas ao entendimento humano, limitado, portanto, mas que, por egoísmo, pensamos serem o ápice das coisas – esquecendo-nos que todas as coisas são seres, mas por não serem humanas também, podem ser diminuídas.

Não é sempre que eu me sinto bem sendo parte do topo da cadeia alimentar. Topo.... Bem, o ser humano autodenomina-se o topo da cadeia alimentar na Terra, mas eu não tenho tanta certeza disso. Aliás, acaba de me ocorrer que a própria imagem e semelhança com Deus que o ser humano proclama para si é um fato plenamente questionável. A razão faz do homem cobaia das suas descobertas quando, atavés dela, o homem vai destruindo aos poucos o seu bem mais valioso: a auto-estima. Como quando Copérnico afirmou que a Terra não era o centro do universo e fez com que a humanidade não mais se vangloriasse pelo fato de serem a engrenagem principal do infinito (?), ou quando Darwin disse que o homem não era o objetivo da criaçvo, mas uma, entre tantas etapas dela, apontando o macaco como possibilidade da nossa ancestralidade [tolos os que pensam que essa afirmação se trata apenas de “termos vindo dos macacos”...] ou quando Freud afirmou que não temos controle da nossa personalidade, ao apresentar o inconsciente para os seus “hospedeiros”, os seres humanos. Penso que a descoberta coletiva de que Deus é um escudo será um golpe fatal para muitas almas fracas, uma vez que dirá, com todas as letras necessárias, que Deus não precisa ser onipresente na vida humana, se ele não o quiser, e que ele não criou apenas os seres humanos, habitantes da Terra. Pensemos, por um momento, que as baratas fossem autoproclamadas topo da cadeia alimentar e estivessem escalados evolutivamente como o estamos agora: para elas, qual forma teria Deus? A de um ser humano? Tenho certeza de que não. Agora numa escala maior... muito provavelmente a Terra não seja o único local habitado do Universo. Se em algum desses locais onde houver vida, se esta preocupar-se com isso, tais habitantes também podem acreditar serem a imagem Dele; mas seriam eles parecidos o suficiente conosco a ponto de justificar a nossa semelhança com Deus? Portanto, a semelhança dos homens com Deus não passa de busca por conforto interior, uma tentativa de não se sentir apenas um amontoado de genes espelhados num organismo no meio de tantos ao seu redor, na sua cidade, no seu país, no seu planeta, no seu sistema solar, no Universo, no infinito, no.... Definitivamente eu não sou parte do topo da cadeia alimentar, e não quero pensar que seja um ponto de vista. Não quero ser conivente com o rebanho hoje...

Por um momento eu deixei de sentir falta do meu texto para sentir-me triste. Antes eu via a perda do texto como um vaciloo meu, mas hoje penso que o texto não quis ser visto, ou simplesmente não me quis. A inanimação das coisas é um ponto de vista, assim como a concreticidade das mesmas. Uma vez um aluno me afirmou que concretas eram as coisas que podiam ser vistas ou tocadas. Eu lhe perguntei, então, se o ar era abstrato, uma vez que não era visto, ou se Deus era abstrato, já que não podia ser tocado. Eu lhe disse que os seres seriam sempre concretos onde eles existissem, e que, ao contrário da força que temos para criar seres potentes de serem concretos na nossa imaginação, não há como torná-los abstratos outra vez, porque somente pode se abstrair sobre coisas concretas. E eu lhe disse que o ser é aquilo que é. As exceções somente existem nas coisas criadas pelos homens, que é limitado por natureza, mas o universo não foi criado pelo homem...

O meu texto tinha mais de cem páginas e doeu escrevê-lo. Doeu porque ele era vivo, e dói dar a luz. O processo de concretização de uma idéia é dolorido porque envolve sentimento. É o processo em que dolorosa e penosamente se mata algo puro, tira-se a vida de algo perfeito para transformá-lo em algo imperfeito, como nosso pensamento, limitado por natureza. Mas essa morte não é dolorosa apenas para para a idéia, que, de certa forma, é natimorta por necessidade. A idéia morre para que algo novo nasça dela, e torne-se algo compreensível para a limitada inteligência humana, traduzida, portanto. Mas esse processo não é indolor para o ser humano. A idéia sofre, traumatiza-se, mas, por compaixão, digo que sofremos também. Dói porque só sabe o que é uma coucha quem viu e sentiu a coucha; só sabe o que é luz quem se ofuscou – o resto é apenas especulação. Portanto, a idéia dói porque ela somente pode ser traduzida por sentimentos, que podem ser prazerosos, mas também podem ser dolorosos ou mesmo recalcados, fazerem parte de um passado que não traz nenhuma alegria sem antes pensarmos nos acessórios que, por conta dele, nos foram concedidos.

Muitas vezes eu quis ter tomado decisões diferentes no passado. Quis voltar no tempo e mudar uma coisa específica, sem a qual eu viveria melhor sem a lembrança, mas fico triste porque eu não sei se os acessórios – que hoje me são mais preciosos que mesmo a valiosa lembrança da experiência tirada dos momentos difíceis – me acompanhariam. O fato é que eu não sentiria falta deles se eu não os tivesse tido, mas hoje penso que naoo viveria sem eles se pudesse escolher outras decisões para o meu eu do passado. Será que eu poderia confiar na força das coisas inanimadas? Será mesmo que as coisas acontecem quando elas devem acotnecer? Ou elas somente acontecem porque o caminho das bifurcações dos sins e nãos possibilitaram seu acontecimento? Será mesmo que o meu texto tinha sentimentos porque eu os coloquei lá dentro? Teria ele capacidade de escolher, se eu lhe desse esse poder? Eu sou o deus da minha criação? Será assim que funciona o livre arbítrio? Quer dizer, se eu sou deus dos organismos que vivem dentro de mim, cuja vida depende da minha, que depende da minha simples decisão? O livre arbítrio pode me destruir – a morte é uma decisão minha ou dos meus organismos? Acho que nem um nem outro, porque ambos fomos criados pela mesma força, afinal. Volto, então, ao começo? Mais uma vez a teodicéia? Ou o criador permite sublocação?

Minha solução é aceitar a perda do meu texto, como sente a mãe que ouve que seu filho morreu no eu ventre. Eu não fui capaz de gerar meu texto. Não ainda. Esses dias eu sonhei com a minha mãe e com o Jacko. Contei o sonho para minha mãe e ela disse que quando eu estivesse trabalhando eu deixaria de pensar nessas besteiras. Lembrar é besteira? Penso que besteiras sejam as coisas desnecessárias. O que eu tenho deles, agora, é somente a lembrança que carrego na minha cabeça, como o tamanho das suas mãos quando as colocava sobre as minhas, ou na lembrança que carrego, do seu focinho, ou dos dentinhos tortos – agora com aparelho, ou do seu rabinho cotó. Ainda não chorei desde que saí de casa, mas penso que eu deveria, se eu levasse a sério o que ela disse e esquecesse-os, quando começasse a trabalhar. Sim, agora eu me lembro: foi esse o grande motivo das nossas desavenças – ela queria que eu fosse racional como ela, mas eu apenas gostava, e isso não era suficiente. Eu não tenho culpa dos traumas dela. Não tenho. Não. Não tenho. É... eu realmente não tenho culpa, se as coisas inanimadas não tiverem força.. afinal, eu também já fui uma idéia... e hoje....