29.6.08

Moratório


Tudo comecou em Manaus quando comprei o então recém-lancado CD Supposed Former Infatuation Junkie. Eu estava na casa do Luciano e eu ainda estava digerindo o Jagged Little Pill que me fora dado de presente, pela Michele. Não vou mencionar as circunstâncias, mas houve um momento em que o Luciano perguntou ao Muzi se ele descobrira a faixa oculta no Jagged. Eu fiquei intrigado mas não dei muita importância – pra mim seria outra faixa pesada e muito bem escrita, mas certamente sem o peso de Ironic ou de Hand in My Pocket. Acontece que Your House foi direto pro meu coração. Era uma daquelas músicas que pareciam ter sido escritas pra mim, e que me fora dada de presente não por acaso, mas exatamente quando eu precisava de alguém que me entendesse – e desde então eu nunca deixei de amar a Alanis.

O tempo se passou, eu e ela crescemos, estamos pessoas bem diferentes do que fomos outrora, mas a sintonia de pensamentos continua a mesma. Eu acredito muito na força do acaso... eu realmente acredito. Sei que “acaso” não é a palavra correta, mas serve para o contexto (nota: rever meu vocabulário! Ou eu estou perdendo as palavras ou eu não mais valido o sentido das que eu conheço), mas não há como discordar do fato de que os acontecimentos têm lugar e hora no momento exato em que eles podem fazer algum sentido. E fazer sentido significa poder extrair algo daquele momento – positiva ou negativamente. E acrescento, ainda, que os acontecimentos que não fazem sentido ou não fazem diferença ou não estão no mesmo nível em que nos encontramos... Foco, Leonardo! Foco! Volta pro assunto!

Ok... Eu aguardava o lançamento do novo cd da Alanis mas so me lembrei de procurar por algum concerto na véspera. E pra meu desespero, havia um show pro dia 19 de junho e os lugares estavam todos esgotados! O que fazer? Ficar em casa e amargar a terceira oportunidade perdida de vê-la ou dar com a cara no portão e correr o risco de conseguir um? Pelo que já vi em todos os concertos dos quais eu participei, valia a pena tentar um ingresso na porta.

E pois bem, eis que chega o dia 19 e eu fui – com a cara, coragem e dinheiro na carteira, pra ver a Cris e a Alanis! Sim, a Cris, minha irmã! Fizemos faculdade juntos, nos adotamos e desde então, não mais nos separamos. Bem, fisicamente sim porque nossos caminhos se descruzam com muita freqüência; mas também se cruzam muito, mas muito mais freqüentemente. E esse mês ela esteve em Londres para estudar Inglês, e de cara me ver.




Histórias de desencontro são muito comuns na minha vida, e esperar não é incomum. Assim sendo, depois de um bom tempo de atraso, chegam a Cris e uma amiga até a estação de Paddington, onde eu as esperava por, pelo menos, umas duas horas... Abaçamo-nos, perdemo-nos no metrô, nos achamos de novo e fomos prum pub beber. Lá, depois de um tempo nos divertindo, eu as convenci a irem comigo pra o local do show da Alanis pra que eu tivesse certeza de que encontraria um ingresso – caso contrário, voltaria com elas pra o pub, e beberiamos o dinheiro do ingresso juntos!

Mas o acaso estava do meu lado outra vez: mal sai da estação do metrô e eu encontrei um cambista vendendo ingressos pro show. A Cris não quis ir então fui eu pruma fila em espiral que circundava o quarteirão da Carling Academy, em Brixton – enquanto a Cris procurava por um banheiro. Foi a última vez que eu vi a Cris antes que ela fosse pra Alemanha ver a sogra... sim, eu fui ao aeroporto recebê-la, mas fica o gosto de zinco sob a lingua e a sensação de que poderíamos ter nos aproveitado mais. E na fila eu percebi que esse era o primeiro show que eu ia sem companhia: sem Lu, sem João, sem Izalty... Entendo que não é a mesma coisa assistir a um show sem as pessoas queridas do lado, pra quem direcionar os comentários e rir dos gritos estéricos. Mas lá na fila eu entendi que a minha relação com a Alanis era exatamente daquele jeito: solitária e triste, como convém a dois adultos.

A Clarice já dizia que os adultos sã tristes e solitários, e que apenas se dão conta da solidão e tristeza depois de um choque. O meu foi em Manaus... e a Alanis entrou pra minha vida cantando Your House... e até hoje somos solitários: ela lá e eu aqui, as de certa forma, juntos um do outro.

E por isso eu nem deveria ter ninguém comigo pro show... éramos nos dois sozinhos: ela cantando e eu fazendo que sim com a cabeça.



Eis a lista das músicas:



Moratorium (Intro)
Uninvited
All I Really Want
8 Easy Steps
Perfect
Citizen of The Planet
Head Over Feet
Unprodigal Daugher
Versions of Violence
Not As We
Hand In Pocket
In Praise of the Vulnerable Man
A Man
Moratorium
You Oughta Know
Tapes

Underneath (Piano)
You Learn

Ironic
Thank You

...e eu fico por aqui.
Não tô a fim de salpicar palhaçada nesse post, não.
Nao vou falar que a estação de Brixton estava fechda depois do show e que eu fiquei perdido em Londres de noite.... e nem que eu perdi dois trens seguidos pra Reading e que eu fiquei boa parte da madrugada esperando trem pra vir pra casa... e nem que eu trabalhava na manhã seguinte... não, não. Paro por aqui!

Trecho da abertura:




9.6.08

A Mãe dos Espelhos



O que me incomoda profundamente em relação à liberdade e ao conhecimento é que depois que você absorve um pouco de um dos dois, algo muda. Não que a cada dia não nos tornemos alguém diferente, ou que as epifanias dependam de uma intervenção metafísica, mas há experiências que não permitem regresso. E não permitem regresso porque se tornam tão comuns como dormir, comer, ou qualquer outra coisa simples que pode se fazer no dia-a-dia e que, por conseqüência, não se pode viver sem: stick-toffe pudding? Uma troca de olhares? Qual é a diferença?

A felicidade, ao meu ver, exige ápices, como toda droga que se preze: e vicia. Mas o que vem depois do ápice? Seria como o átomo e suas sub-particulas – só que inversamente proporcionais, claro: pode-se dividir infinitamente, mas depende-se da ferramente correta pra enxergar as novas camadas. Seria a felicidade a derradeira ferramenta? A felicidade é o ápice, ou apenas um ápice? E como se reproduz um ápice? Do que serei eu capaz para trazer o ápice de volta? Ou melhor, ir mais adiante? Quem me vê enxerga a minha busca? Meu potencial? Quando, da janela do restaurante, eu olho para o homem e recebo de volta um olhar, o que ele vê? Ele vê o que sou, ou do que sou capaz?

Foi então que eu entendi o jogo da roleta-russa... na tentativa de atingir ao ápice, tornam-nos capazes de tudo. Não que isso signifique ter-se desistido de si mesmo – muitos acreditam no contrário: há pessoas que pensam que aqueles que desafiam a sorte não se importam com a vida. Mas é exatamente o contrário: os que desafiam a morte querem apenas viver! E esses mesmos, na maioria das vezes, amam a vida e somente giram a roleta na expectativa de que algo os excitem – nem que seja apenas girar a roleta. E existe uma diferença oceânica entre girar a roleta e apertar o gatilho. Pra apertar o gatilho é necessário mais do que coragem... exige-se que se acredite que a morte é uma possibilidade. É nesse momento em que a grande maioria desiste de jogar e percebe que não tem coragem de mudar as coisas. Mas eu alerto: aceitar a morte nao é ser suicida... é muito mais que isso. É tanto que eu não sei nem explicar direito. Os que giram a roleta não aceitam olhar a morte nos olhos, mas os que apertam o gatilho são mais fortes que ela porque nao se importam. (Seria esse o Übermensch?) É um passo muito grande se despir da hipocrisia e tornar-se um ser potencialmente livre, desapegado de mais uma das conexões com o mundo. Olhar a morte nos olhos pode ser o maior desafio da vida de um homem – mas não o derradeiro. Olhar a morte nos olhos é difernete de desejar a morte. Eu mesmo olhei a morte nos olhos e passei a amar ainda mais a vida – só que sem o medo de fracassar. Eu eu me encontrei com a mãe dos espelhos e aceitei as conseqüências... a morte é apenas uma delas, dentre outras diversas: cotidiano, eloqüência, desilusão, patê de fígado ou ressuscitar...

E a minha mãe dos espelhos foi um amigo que me mostrou que eu poderia ser a minha própria mãe does espelhos, quando me disse que, na vida a gente tem o poder de ressuscitar aqueles que passam por nós. Que a gente vira mulher e gera quantas vezes for preciso, àqueles que nos amam... com uma frase, um olhar, um sorriso: mãe tem a capacidade de nos gerar a vida toda se elas quiserem...