Pois bem, não sei se pega bem começar desabafando, reclamando que toda vez que eu pego um avião a minha mala extravia. Aliás, nem sempre – quando eu não levo mala ela não extravia. No entanto, como eu a levei para a Inglaterra, em algum ponto entre São Paulo, Espanha e Inglaterra ficou a minha malinha dessa vez. Dei o endereço do William para que ela fosse entregue, mas quando eu a recebi, ela estava um caco: alça bamba, puxador solto – enfim, um caco! Acabei comprando um misto de mala e bolsa linda em Reading, que tinha ao mesmo tempo, alça e puxador, além de ser imensa de grande e, por isso, caberia o mundo dentro dela [leia-se mundo como sendo o que eu trouxera do Brasil, mais umas coisinhas que eu fui adquirindo pelo caminho].
Logo na descida das escadas da casa do Izalty eu percebia que a viagem não seria o que pode-se chamar de fácil: a mala parecia pesar 798.432 quilogramas quando colocada nos ombros, e cerca de ¾ disso quando puxada. Pensei: “ai, fudeu!” Enquanto eu puxava a mala, que ia ficando cada vez mais pesada na medida em que eu andava e as roupas iam se amontoando umas sobre as outras, eu tentava me distrair analisando o barulho que as rodas faziam nos diversos tipos de calçada. Eu acabo me distraindo sim porque fico imaginando que pode ser o mesmo princípio que fazia as agulhas de som ecoarem as trilhas dos discos de vinil. Em Valadares mesmo eu já tinha fazia distinção de calçadas pelo som que elas produziam quando as rodas da minha mala passavam sobre elas. Confesso que essa era a minha grande distração no período em que eu viajei muito pela Escola. No entanto, após todo o peso decantar no fundo da mala, as mãos também começavam a doer devido ao tempo que os dedos ficavam pressionados contra o puxador de tecido sintético, que ia ficando cada vez mais fino devido, justamente, à pressão dos dedos da mão fechada faziam. O resultado eram dedos machucados e doloridos [Sim, eu revezava a mão direira com a esquerda, mas as duas já doiam – eu precisava de mais umas 18 mãos].
Quando chegamos à estação de trem de Reading, eu detestava quem tinha inventado a bolsa de rodinha, enquanto chegava à conlusão de que eu amava mais que tudo, o inventor da mala de rodinhas. [Inveja mortal do juninho.... sim, a dele tinha rodinhas, mas era mala!] Bem, mas como eu diziam chegamos à estação de trem de Reading cerca de 22h00, e tínhamos duas opções: ou pagávamos as £20,20 da viagem convencional, ou pagávamos £30,55 se a viagem ultrapassasse a meia-noite. [Como dito em outro post, compra-se bilhetes, na Inglaterra, que valiam para o dia todo, de qualquer lugar para outro, quantas vezes fossem necessárias, mas com validade automática para a meia-noite.] O segundo desafio havia se revelado: além de ter que chegar antes das duas da manhã, horário este cujas portas do aeroporto se fechavam [quem estava dentro ficava, quem estava fora também ficava, só que ficava do lado de fora]. Como eram apenas 22h00, decidimos por comprar os bilhetes convencionais porque eu levei 1h30 para fazer o trajeto.
Ih, acabei não dizendo que o Juninho comprou nossas passagens via Internet, e que o desconto para um determinado vôo era absurdamente convidativo – cerca de 60% de desconto, mas quando fomos bookar nossa passagem, descobrimos o porquê do preço: o vôo estava marcado para as 06h30 da manhã. Qual o problema? Bem, se levarmos em consideração: a) o fato de que o check-in para vôos internacionais acontecer com duas horas de antecedência, ou seja, 04h30 da madrugada; b) o fato de que o metrô de Londres parar de funcionar por volta das 02h00 da madrugada e voltar a funcionar somente 05h00, valia a pena chegar mais cedo e ficar lá mesmo pelo aeroporto afora, onde a temperatura era controlada e c) Não fazíamos idéia da hora em que o aeroporto abria – mas isto não era problema, já que ele tinha que estar aberto para o check-in do nosso vôo... mas claro que isso conta também porque era mais drama para a nossa aentura!
Pois bem, nosso tempo era controlado minuto-a-minuto. Na subida pela escada rolante até a plataforma 7, começamos a imaginar que até Paddington seriam uns 40 minutos, depois de metrô levaríamos outros 20 minutos e, com certeza, estaríamos dentro do último trem antes da meia-noite, quando os nossos bilhetes ainda seriam válidos, e com certeza, chegaríamos antes das duas da madrugada no aeroporto de Luton, com tempo de dormir ainda dentro dele antes do check-in. Na descida para a plataforma, avisto que a previsão de chegada do nosso trem era para 22h08, e que ele estava pontualmente chegando. Nossa felicidade acabou, no entanto, no minuto em que sentamos: a voz no sistema de som avisava que esse trem estava atrasado e que somente chegaria em uma hora. Nos entreolhamos com cara de origami e fomos pra outra plataforma em que estava previsto um outro trem com o mesmo destino para sair às 22h20. Só não falo que foi, de novo, o tempo de sentar porque levou uns minutos até informarem que aquele trem também ia se atrasar cerca de meia hora. Foi quando a cara de origami tornou-se cara de paisagem, e percebemos que não havia outra coisa a ser feita senão esperar e agradecer pelo fato que que, pelo menos, o trem chegou depois de não sei quanto tempo.
Refazíamos as contas até a exaustão, mas percebemos, da maneira mais dolorosa, que não adiantava: controle não era um dom humano. Aquela sensação de controle que se tem quando pergunta-se o que se pretende fazer na manhã seguinte e responde-se que vai pro trabalho ou que vai passear não passa de ilusão e que pode-se morrer durante o sono ou outro tipo de imprevisto ou força maior fazer a gente perceber quem manda... A mesma sensação eu senti quando chegamos a Paddington e descobrmos que justa e unicamente a circle line (cor amarela), que por um acaso fatal era a linha que nos levaria até Farrington estava desativada por tempo indeterminado, e que as pessoas que dela precisassem poderiam usufruir do sistema de ônibus ou redeterminar sua rota através do mapa do metrô. [pausa] Por um acaso você já viu o mapa do metrô de Londres? Acredite em mim: é pior do que eu estou fazendo parecer. Aliás, é fácil se locomover pelo sistema, mas o mapa dá um desespero tão grande quando visto pela primeira vez.... Sentamo-nos no chão e refizemos nossos cálculos, descobrindo que na Baker Street seria possível pegar outro metrô que nos levaria para Farrington. O problema era o tempo.... mas, enfim, pegamos a Bakerloo (linha marrom) e descemos na Baker Street, a tempo de correr para descobrirmos em qual plataforma ia passar o bendito do trem da Metropolitan Line (linha rosa) com passagem à Farrington... o problema é que não tinha ninguém para dar informações e passamos por quase todas as 8 plataformas até encontrar a nossa – tudo com o exú da minha mala junto de mim. Olhe o mapa do metrô e veja se não é desespeador!
Ufa! Chegamos em Farrington, mas agora o bicho era descobrir em qual plataforma o trem chegaria. Ao menos tinha quem nos desse informação dessa vez, e na plataforma 4 havia um monitor com a previsão da chegada do nosso trem... falei que eram 23h50 quando chegamos à Farrington? Não? E se eu disser que o nosso trem era previsto para chegar às 23h58? E se eu disser que eu não acreditava mais na pontualidade britânica naquela noite? Eu estava pronto para rodar a baiana se alguém me molestasse por conta de passagem na hora de entrar no trem, mas este, finalmente chegara exatamente quando previsto. Quando entrei no trem fiquei, num misto de alelúia e cansaço fiquei pensando se era aquela a sensação de um pré-infarto. Drama? Se alguém me dissesse que eu era dramático aquela note eu era capaz de matar! Matar com mordidas, uma colherada ou mesmo beliscões que fossem, mas eu juro que matava!
A continuação da viagem até que foi tranqüila.. chegamos à Luton e vimos cerca de 50 pessoas estiradas aeroporto adentro, pelo chão afora – alguns até equipados com colchõezinhos infláveis e mesmo os mats que eu usava para praticar yoga. O fato é que a cada minuto eu admirava mais e mais os práticos e despretenciosos europeus que comiam na rua, deitavam no chão do aeroporto, vestiam-se como queriam e agiam condizentemente com o que vestiam. Percebi que europeu não era apenas um estado geográfico de ser, mas um estado de espírito, principalmente. Aqui eles comem Mcdonald’s com as mãos – sem guardanapo, e agem tão naturalmente que eu fico com raiva da atitude hipócrita dos brasileiros que reparam nos cabelos [discriminando o caráter pelo penteado ou pelo fato de se ter uma tatoo ou usar brinco], reparam nos hábitos alimentares e se preocupam demasiadamente com as vidas alheias. Ah, lembrei do carnaval.... da hipocrisia do carnaval.... vende-se a iamgem de que o brasileiro é liberal e que aqui se pode tudo, mas sabemos todos que não é verdade. O brasileiro é preconceituoso: a mesma mulher que delicia os foleões é mal vista tanto por homens que as enxergam como piranhas [é como são vistas as mulheres liberais no Brasil, que são diferentes das prostitutas, que, ao contrário das piranhas, cobram sim pelo que fazem, mas são, na maioria das vezes, mais recatadas que aquelas na vida pessoal, e compartilham do sentimento discriminatório do rebanho]. E o nacionalismo de copa do mundo, que eu também chamo de ereção-nacionalista-matinal? As desbotadas bandeiras do Brsil com aroma de naftalina só vêem a cor do sol de quatro em quatro anos, e como Santo Antônio que, de castigo por não ter arrumado casamento para a “devota”, são condenadas à solitária quando o Brasil perde a copa... Na verdade passo a acreditar que não se vive melhor no Brasil porque preocupa-se demais em ver como vive o outro para se esquecer dos próprios problemas do que se esforçar para resolvê-los. No Brasil preocupa-se mais em mostrar o que se tem do que fazer para ter. Aliás, tem-se vergonha de trabalhar, no Brasil: muitos enfeitam os nomes dos seus cargos para que soem ocupados e importantes... tipo, subassessor adjunto de pseudo-planejamento de uma porcaria qualquer! Eu mesmo conheço gente que por conta do cargo que ocupam, mesmo infelizes, descontam os problemas falando de trabalho com os amigos e fazendo de tudo para converncer-nos (e a si mesmos, principalmente) de que são felizes... bobos.... esquecem-se de que a felicidade não é um estado fixo, mas a capacidade de contenplação de pequenos prazeres que podem se renovar a cada dia... não sei se tenho raiva ou pena dessas pessoas. Fiquei tanto tempo remoendo mágoas sobre o Brasil que resolvi remoê-las parte do tempo praticando yoga com o Juninho, e na outra parte escrevendo a agenda, até que as 4h30 chegaram e fos eu e o Juninho para a fila do check-in, que foi quase perfeito... A parte boa foi que me livrei, momentaneamente, da minha bolsa e ruim porque não observamos o peso de cada mala... para ser sincero nem procuramos saber o peso que cada uma poderia ter: achamos que fossem os usuais internacionalmente praticados 32Kg, mas eram vinte... resultado? Vinte e duas libras a serem pagas a mais. Mas tudo bem porque mesmo assim o valor da passagem ainda valia a pena!
Fiquei surpreso quando passamos pelo portão de embarque, quando fizeram a revista... primeiro que não se podia levar, como bagagem de mão, nenhum tipo de líquidos, nenhum tipo de gel, nenhum produto de higiene pessoal, isqueiro e nenhum metal – inclusive moedas! Além dessa precaução acerca da bagagem de mão, ao entrar tirava-se o casaco e junto da bolsa de mão, colocava-se na esteira inclusive os tênis! Depois disso o que sobrava do passageiro ainda era revistado por um guarda e depois passava por uma detecção de metais. Fiquei chocado sim, mas aliviado com o fato de que não tinha como nenhum terrorista lazarento me incomodar deixava-me feliz. Mas mais feliz ainda eu fiquei quando entrei no avião e me acomodei... mas como tristeza não tem fim; felicidade sim, eis que senta-se do meu lado um maldito indiano fedendo a suor velho com cecê. Era tão forte a catinga que eu fui forçado, naquele frio do cão, a ligar o ventilador em cima de mim ou eu vomitava! Ai, como eu desejava chegar logo à Itália – parte pela viagem, mas uns 95% por causa do fedor do caboclo! ...o Juninho só dormia! Mais uma vez eu sentia ódio mortal dele! [sentimento que eu me acostumei a sentir por ele, e que se intensificou exponensialmente quando pisamos no aeroporto de Bérgamo].
Minha passagem pela imigração foi mais uma vez uma traqüilidade absoluta: o policial me perguntou quanto tempo eu iria ficar e eu lhe respondi, em Inglês, que eu estava aqui para o meu processo de cidadania. Enquanto eu pegava os documentos na minha bolsa ele carimbu meu passaporte e me explicou, em Inglês também que eu tinha 7 dias para obter o Codice Fiscale, 15 para dar entrada no Permisso e aguardar. Mais uma vez ele perguntou quanto tempo eu pretendia ficar e eu respondi “o tempo que for necessário”, quando ele comentou: “se for sua intenção ficar conosco, serão cerca de 3 meses”. Gente, quem foi que falou mal da imigração mesmo? Não aceito! Virei fã! Já quero criar uma comunidade no orkut chamada: EU AMO A IMIGRAÇÃO! Ah, lembra que eu falei que as minhas malas sempre eram extraviadas nos aeroportos? Pois é... essa foi a única vez em que eu rezei para que ela sumisse e fosse entregue no dia seguinte no conforto da minha casa, mas a lazarenta estava me esperando na esteira... e mais pesada do que o costume! Eu quis chorar!
A sensação de que eu estava na Itália não era percebida somente por causa do calor ou por causa da língua, mas porque eu finalmente consegui usar os Euros que eu tinha levado. Meu sentimento de ódio pelo Juninho ia se intensificando enquanto ele ia se comunicando perfeitamente em Italiano com o povo... mas isso eu podia aprender, ou, em outras palavras, tolerar... o que eu não suportava era a mala dele que corria linda e suavemente pelas ruas enquanto a minha bolsa, saco, castigo, encosto, sei lá, ia ficando cada vez mais pesada para se carregar. Fiquei pensando se eu realmente fui tão mal na outra encarnação a ponto de merecer isso, mas a cada etapa vencida com o castigo que eu carregava comigo eu misturava a alegria de estar pisando em solo italiano com a certeza de que ia dar tudo muito perfeitamente certo, porque carregar a mala não podia ser apenas acaso... tinha que ser a preparação para algo muuuuuuito bom que ia me acontecer. Mas não, não era... quando chegamos na estação de Milano [sim, agora eu falo os nomes como eles realmente são... tenho uma birra quando mudam os nomes das coisas!], o trem de 11h18 estava atrasado e somente iria sair em duas horas. E adivinhe: tinha gente paraticamente caindo pelas janelas! Quando ia ter outro? Em duas horas! E o medo de o trem parado e lotado ser ser o que iria sair em duas horas? Ai, que meda!
Felizmente o trem lotado não era o nosso. Não tive condições psicológicas de fazer foto alguma por conta do sono e do ódio da minha bolsa, mas observei que, ao contrário da Inglaterra, a Itália é um país agrícola... bem, tirei essa impressão a partir da paisagem de Torino, e dos campos cultivados. Não me lembro de ter visto um boi sequer nos momentos raros em que eu acordava assustado com o som ensurdecedor dos trens que passavam do nosso lado. E o calor... ai, que calor! Eu já sentia falta de Reading e dos ventos frios da primeira parte da tarde... E por fim chegamos a Torino depois de cerca de 90 minutos de trem e eu tive que carregar aquele encosto de novo até o ponto do metrô. O sistema público de transporte deve ser mencionado agora: ao contrário da Inglaterra, o “bilheto” vale por horas determinadas... e pode-se escolher entre ônibus e metrô, que fazem o mesmo trajeto. Apesar do calor, é super simpático e funcional... ao contrário do Brasil! E enfim chegamos em casa: eu, o Juninho e a minha mala-exú. Eu cheguei a pensar que era hora de descançar... juro que pensei!
Eu quero deixar claro que este post é enorme porque eu resolvi escrever tudo o que aconteceu no intervalo em que eu fiquei sem dormir desde a nossa ida para a estação de Reading... mas acontece que eu não tinha dormido até então. E eu achei que ia dormir aquela noite e começar a mexer com a papelada da cidadania no dia seguinte, mas a papaelada me queria aquela noite mesmo. Ficamos sabendo que uma pane havia danificado o sistema informatizado da questura, e que as filas estavam imensas. Por isso decidimos que era melhor ir mesmo aquela noite, e que iríamos às duas da manhã, e a fila estava imensa! Lembrei das pessoas que precisam usar o sistema público de saúde no Brasil quando vi que umas 50 pessoas estavam na fila para um serviço que somente seria aberto ao público às 8h30. Eram todos extrangeiros querendo regularizar a sua situação, eram pessoas vindas, principalmente da Romênia, Marrocos, Albaneses, Chineses, Turcos... brasileiros... enfim, era mais gente do que eu esperava ver na fila. Aliás, eu pensei que a própria fila seria diferente, já que eu tratava de cidania. Eu confesso que já me sentia desmotivado com a Itália por causa do calor, mas aquela fila era o fim da picada, e eu me senti completamente xenófobo quando foi dando as oito e pouquinho da manhã e pessoas iam cortando a fila pelas frestas da barricada de metal desmontada, amontoando-se, fazendo algazarra, xingando... enfim, era um ambiente completamente selvagem e absurdamente contradizente para com o que eu esperava de um país de primeiro mundo... eu fiquei irritado com tudo aquilo! Chegou ao ponto de um marroquino quebrar uma garrafa para fazer alguma coisa... achamos que ele ia ferir alguém, mas pensou duas vezes e com a força que ia empregar para causar o ferimento, jogou a garrafa no teto da questura, que, par ao seu azar, ultrapassou-o e caiu no pátio, chamando a atenção dos guardas, que, furiosos, abriram a porta e ameaçaram não fazer atendimento se o responsável pela garrafa não se declarasse. Foi um bafafá até descobrirem quem era, que nessas horas já tentava sair de fininho, percebendo que aquilo não ia acabar bem. Acontece que o cara foi delatado e preso, mas na captura um dos guardas se feriu no pé e foi levado para o hospital, enquanto um segundo guarda acompanhava o marroquino até a delegacia. Como resultado da brincadeira, de cinco agora somente havia três guardas e, por isto, 40% a menos de senhas a serem distribuídas, e o pior, eu ficando de fora do atendimento, mesmo depois de ter ficado na fila desde as duas da madrugada!
Eu odiava a Itália mais que tudo na vida! Com a cara emburrada e morrendo de sono a gente foi embora. Mas ao menos fomos até a Receita Federal daqui conseguimos, numa questão de minutos, fazer o bendito. A sensação que eu tinha era de que em qualquer lugar, dinheiro facilitava as coisas, e como o Codice Fiscale tratava exatamente sobre isso, era de se esperar que corresse tudo correta e rapidamente, e marcamos para entramos na fila anda mais cedo: às oito da noite! Era uma questão de honra ser atendido daquela vez, mesmo que eu tivesse mais 14 dias para aquilo. Eu estava com ódio mortal da Itália... eu escolhia ver as coisas somente pelo lado ruim delas... e eu estava ciente disso! Foi então que o Juninho me levou para tomarmos sorvete... e foi uma experiência divina! Transcedental! Eu havia tomado o melhor sorvete da minha vida! Ponto para a Itália... aliás, quantos pontos fossem necessários. Eu poderia viver na Itália unicamente por causa do sorvete! Ai... sem comentários!
Foi então que chegou a hora de nos reunirmos na casa da advogada que me acompanha no trabalho com a cidadania. Era cerca de cinco e alguma coisa da tarde. Eu e outro brasileiro precisávamos do permesso, mas o Juninho sempre nos acompanhava [Fio, eu te amo, viu? Obrigado por tudo!]. Era hora de conversarmos sobre detalhes do processo e sobre como ele seria tramitado. Fiquei abobado com um detalhe que eu não tinha percebido... Bem, noo meio dos documentos traduzidos havia um que versava sobre a não-renúncia de cidadania. Eu pensava que era sobre eu não renunciar a minha cidadania brasileira, mas não... o bendito dizia, depois de assinado e legalizado pelo consulado italiano, que eu não havia renunciado à minha cidadania italiana! Que bafo! Na hora eu pensei em voz alta e me perguntei: “quem é que renuncia ou não à cidadania italiana?”. E a advogada diz: "apenas um italiano pode fazer isso! Este documento diz que você é Italiano.” E eu fui com novo ânimo para a fila, e com um colchão e com livro e com meu MP3 player e com baralho também. Eram 19h40 e a noite prometia ser longa, muito longa.
E mais uma vez estávamos eu, o Juninho, Altair (o outro brasileiro tantando a cidadania) e o Fabiano (companheiro da advogada), todos na fila, atrás de 19 pessoas... Sim... eram apenas 19h40 e já tinha mais de vinte pessoas na fila, contando conosco. Mas desta vez as pessoas na fila eram rostos conhecidos que não tinham sido atendidos no dia anterior, então nos armamos cheios de estratagemas para evitar que alguém sequer sonhasse em furar fila. Era muito terna a união que ia surgindo entre a gente, a fim de atingir o objetivo comum: listas eram feitas, a barricada de metal era remontada, enfim, o reconhecimento dos que estavam na fila era fundamental, principalmente entre os que estavam na área abrangida pela barricada, que já tinha mais ou menos umas 60 pessoas lá pelas uma e pouco da madrugada. Ainda tinha muito tempo pela frente e o enturmamento fazia com que vizinhos de fila jogassem baralho, conversassem, trocassem mantimentos: aquele sim era o espírito que eu pensava ser legitimamente Italiano. Inclusive, as cenas de bondade explícita me inspiraram a pensar que o pendor para o bem é uma limitação mutiladora da integridade vital. Sim, cheguei a conclusão que o bem mutila a integridade ao mesmo tempo que limita a vida, enquanto conceito. Sim, pois, se o bem é a busca pela perfeição, e é moldado com o tempo, a partir dos objetivos, poder-se-ia comparar, numa limitação tosca, que o bem poderia ser o lado positivo do Superego; isso faz com que o mal seja a Id, na forma mais pura do egoísmo, por contrariar o senso do bem-comum. Eu não enxergava outro motivo para que estranhos se aproximassem e tão bem se tratassem, senão por conta de um objetivo comum: era a famosa troca do livre-arbítrio [eu diria que o livre-arbítrio não passa de uma forma camuflada do egoísmo], em prol da proteção que somente o bem-comum pode proporcionar. E isso é ruim, afinal? Por isso as pessoas se arrebanham?
Ainda na fila tentava-se descobrir o motivo pelo qual a fila estava tão grande todos os dias. Chegou-se a pensar que era por causa das férias [Torino é uma cidade fantasma! Tudo e todos estão fechados para férias... Nunca vi isso na minah vida!], mas era muito improvável que todos os componentes da fila estivessem gozando férias, mas não.. a explicação mais plausível veio quando foi mencionada uma anistia para os imigrantes que estivessem legais, prevista para acontecer daqui a não sei quantas semanas. Não era apenas instinto de sobrevivência... era novamente o pendor para o bem, sobre o qual eu falei agora a pouco. Eu ainda podia pensar por horas ininterruptas, mas a fome chegara e eu precisava comer alguma coisa. Foi então que o Juninho me apresentou ao Kebab – o fast food local.
O Kebab era uma refeição de origem turca, e consistia num hambúrguer modificado [Risos... lembri da Madame Sheila de novo!], feito com pão sírio, recheado com vegetais, maionese, pimenta e diversos tipos de carne assada cortadas bem fininhas. Parece simples, mas o negócio é absurdo de bom! Minha vontade era de comer Kebab com sorvete pro resto da minha vida! Voltamos para a fila e fiquei divagando sobre um monte de coisas sobre as quais eu estou morrendo de preguiça de escrever agora, mas que um dia vão reaparecer na minha cabecinha ansiosa e vão parar aqui no coitado do blogger. Acontece que eu estou cansado e acho que a minha intenção de fazer durar um post o tempo que eu fiquei acordado atingiu o objetivo; por isto a vontade de escrever simplesmente que a manhã chegou.... e com ela os mesmos abutres que queriam furar a fila, mas que não conseguiram desta vez porque haviamos nos organizado... e eu consegui dar entrada no permesso e todos ficaram felizes para sempre. Mas esse não é o meu feitio... não, não, não.... definitivamente não é a minha cara fazer isso! Justo eu que, como Joana, estou fadado a ser sozinho porque não aceito os meus limites apesar de saber que não posso superá-los. Eu sei que a minha birra com os rótulos não passa de um briga tola, porque apesar de os odiar, eu preciso deles... e justamente essa dependência me faz odiá-los porque por conta deles tudo o que eu conheço de mim eu conheço através da tradução alheia... Ok, eu vou parar por aqui porque estou me sentindo um lixo hoje. Não... lixo é muito luxuoso pro que eu sinto. Deixa eu ir embora... Vou sumir por uns dias.
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