3.12.06

It's an illusion - I dont't care!

Estava sentado em frente ao meu portão de embarque, em Madri. Olhava para tudo e para todos, e realizei que brasileiro tem cara de brasileiro (ou era eu com saudades de casa?) Fiquei intrigado com o fato de que numa multidão eu não os apontaria como brasileiros, mas que ficava tudo tão óbvio lá na fila de espera para o vôo que eu me joguei num daqueles momentos em que se pensa tão profundamente que não se chega a conclusão nenhuma. Tentava voltar prá leitura da Clarice, mas uma figura me chamou atenção por, entre outras coisas, a altura do som que escapava dos seus fones de ouvido: ele ouvia American Life, da Madonna. Pensei comigo: “deve ser uma no meio de outras músicas”, afinal, depois que eu ouvi DISCO SCIENCE do Mirwais, eu também virei fã. Mas acontece que depois de American Life começou Nothing Fails, e então eu tive certeza da minha suspeita: tratava-se sim, de um fã da Madonna!
Passei a observá-lo melhor e notei as tatoos em ambos os braços, e por causa de uma delas, percebi que também era fã da Björk e que eu poderia puxar assunto com ele, porque, além de tudo, iria no mesmo vôo para o Brasil. Eram tantas coincidências que fui tomado por um sentimento de patriotismo tão forte, um carinho, uma carência, uma vontade de contar minha vida e de ouvir a vida dele também. Queria saber o que ele fazia ali e preparei-me psicologicamente pra conversar. Às vezes a gente se entreolhava, mas a impressão que eu tinha é a de que ele não estava aberto pra compartilhar qualquer coisa. Seria muito fácil: era só perguntar se ele gostava de Madonna e provavelmente um átimo de comunicação poderia ser fiado. Cheguei a abrir a boca e a virar o rosto em sua direção, mas pensei que, em vez de começar uma conversa, a frase poderia ficar suspensa por vários motivos – entre eles o som alto poderia não permitir que eu fosse ouvido, ou, na pior das hipóteses, ele poderia dizer sim e ficar por isso mesmo.... e apenas nisso! Olhava para as pessoas do lado e via que cada uma se mantinha no mesmo anonimato latente, como quem estivesse meio louco pra ser interpelado por um do rebanho, e meio repudiando a volta para ele: era a dicotomia na sua forma mais pura! Não tive coragem de perguntar sequer se ele curtia Madonna, mas ainda não tinha desistido de iniciar uma conversa: liguei o meu MP3 Player e coloquei a Confessions Tour pra ver se fazia o mesmo efeito, mas não deu. Enquanto me perguntava o porquê de não simplesmente falar com ele naturalmente, como se fosse algo completamente impessoal, lembrei que eu era tímido. Engraçado, mas eu tinha me esquecido que era tímido! "Meu Deus, eu sou tímido ou eu fico tímido com a possibilidade de voltar prá onde eu vim?" Fiquei besta porque eu não agia nada timidamente na Europa. Por que será? Tem algo a ver com o fato de eu estar sozinho? Com o fato de lá eu depender só de im? Será que ocomodismo me deixa tímido? Ou tenho vergonha de ser acomodado? Sim... a lembrança do meu comodismo me tomava como toma o calafrio da pressão baixando. Tomei novo fôlego e voltei a pensar profundamente - o que significa não pensar em nada muito específico... Fiquei tão intrigado com a (re)descoberta da minha timidez que acabei desistindo de tentar me envolver com o rebanho e me resignei ouvindo Madonna, que me perguntava: “do you belive that I can make you feel better?” Baixei a cabeça e falei em voz alta, blançando a cabeça: “Não!” Afinal de contas, em que mais as nossas vidas poderiam ser intercaladas?

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