31.10.06

Amor ao Contrário!

Ja fazia um tempo que eu queria falar sobre Palíndromos. Palíndromo é o nome do fenômeno em que as coisas, ao contrário, são elas mesmas. A maior delas, em Português, é a sentença: “Socorram-me subi no onibus em Marrocos”. Outros palíndromos simpáticos são: radar, mussum, ovo... Amor, ao contrário, não é amor, mas Roma. Não que Roma seja odiosa ou que não se possa amar em Roma – muitíssimo pelo contrário! No entanto, achei simpático lembrar das palíndromos antes de abrir o tópico.

Incrível como somos capazes de mudar, evoluir, perceber as coisas, mas logo quando cheguei a Roma, o Jim me disse que no dia em que o Coliseu cair, Roma cai.... e no dia em que Roma cair, o mundo se acabará. Não sei quem é o autor dessa frase, mas sou obrigado a concordar com ela e acrescentar que Roma é algo indescritível e completamente inexplicável – é para ser visto e venerado, apenas. Fotos não fazem jus à beleza e a tudo o que lá se encontra. Eu me reservo, inclusive, ao direito de guardar comigo as coisas que vi porque, de acordo com Madredeus, “quem contar um sonho que sonhou, não conta tudo o que encontrou: contar um sonho é proibido!” Sim, claro que eu estive muito bem acordado e que as diversas bolhas nos meus pobres pés são testemunhas dos dias adoráveis que passei por lá muito bem acompanhado. Na verdade, digo até que lá em cima eu estou muito bem cotado porque eu não sabia que eu merecia tanto... não mesmo!

Mas, no entanto, cada um tem seus motivos para gostar ou desgostar de algo... Dizem que gosto e nariz, cada um tem diferentes. Não digo que há pessoas que não apreciariam tudo o que se encontra apenas em Roma... na verdade eu duvido que exista alguém que não se maravilhe com a grandeza da cidade, ou com a capacidade humana estampada em cada um dos monumentos dali! O fato é que há pessoas que a veriam como um monumento à vaidade humana, outros, como eu, apenas se entregariam – e ponto final. Eu amei cada segundo que passei na cidade, mas o que mais me chamou atenção foram a Fontana di Trevi, o Panteão, a Cripta dos Monges Capuccini, o Forum Romano e claro, o Coliseu. (os nomes podem ser clicados)




Eu sei que é impossivel ir à Roma e deixar de visitar diversas das muitas Igrejas da cidade que é o coração do Catolicismo. Claro que eu fiquei extasiado com os locais que visitei e com as coisas que vi. Entre os momentos em que eu me sentia burro, eu ficava boquiaberto – sim, burro, porque tem tanto o que se saber sobre Roma... e saber sobre Roma é ter que conhecer a história do mundo! Eu senti algo ainda mais profundo que todo o êxtase histório e fático que eu poderia sonhar em sentir em Roma. Algo mais profundo, mais intenso ainda me aconteceu lá: aconteceu a conciliação da razão com a minha fé. Não falo de paz interior e nem de conversão, mas de sentido.... de repente, tudo fez sentido e muitas peças encontraram seus pares e o quebra-cabeças ficou mais organizado. Ok... confesso que eu encontrei muitas respostas para as quais eu ainda não tenho condiçao de formular as correspondentes perguntas, mas isso não faz com que a minha jornada mistico-intelectual fosse menos intensa. Na verdade, ainda estou em êxtase – meus pés não tocaram o chão desde que eu voltei – e não estou falando das bolhas!

Uma das coisas mais fantásticas que se pode perceber em Roma é o fato de que tudo é histórico, tudo tem valor cultural, tudo remete a um tempo em que eu, ao menos, imagino em que as coisas eram mágicas, quando a vida era mais mágica, enfim. Sim, sinto falta da mágica nos dias de hoje. Magia no olhar das pessoas, magia nas ações, no cotidiano. Essa mágica, no entanto, ainda existe, e diante da companhia certa, não importa onde se esteja, o que se faça, o que se diga: a mágica ressurge do nada. Alguns chamam essa mágica de conhecimento, outros de satisfação, outros de fé. Minha estada em Roma teve tudo isso! E eu não tenho condiçoes de descrever o que aconteceu por lá... somente os iniciados têm condição de saber o que aconteceu.

Acontece que eu estive diante de relíquias históricas e sagradas. Pode ter sido isso... Isso, por si só, ja seria suficiente pra fervilhar a mágica da qual estou falando. Acontece que eu não sei se mais históricas que sagradas ou mais sagradas do que históricas, mas o fato é que diante delas eu fui tocado diretamente no coração e senti-me lisonjeado pela oportunidade de poder abri-lo novamente, e decidir – de bom grado – que eu mais que apenas ouviria atentamente ao que meu anjo me dizia, mas que eu daria sentido a tudo aquilo. E de repente sorria: já era felicidade.

Meus dias em Roma me deram a oportunidade de ver relíquias as quais me deram a chance de me reconcilar – já disse... mas não disse que a porta que elas abriram – ou fecharam, não sei, mexeram com os alicerces do que eu acreditava ser tão concreto, mas tão concreto, que pensava que eram até irretocáveis, perenes, num sentido estrito e definitivo. Senti, de perto, o poder do tempo. E o tempo me mostrou que eram concretos sim, meus alicerces, mas que os mesmos não eram eram decididos como a flecha, mas acentuados como o gosto do tiramisù, ou leves como o ar, mas trêmulos como o topo da panacota... esses alicerces não eram mais lindos como o Panteão, sedutores como a Basílica de São Pedro, ou inebriantes como vinho: meus alicerces tinham o tamanho do amor.



O amor, em Latin, pode corresponder a varias coisas: ágape, eros, storge, pragma... eu fui tocado pelo amor quando eu coloquei os pés na primeira das Igrejas que eu visitei, e decobri que nela estariam os restos da manjedoura onde Jesus nasceu, ou quando n’outra se encontravam os crânios de São Pedro e de São Paulo, ou que numa praça, num obelisco, estariam lascas da cruz em que Jesus foi crucificado, ou quando apoteoticamente fui seduzido pela Basílica de São Pedro, e suas indescritíveis imagens. Eu via, cria... ou cria porque queria: a fé tem dessas coisas. Eu já tinha visto o Sudário em Turin, mas foi em Roma que eu entendi que o que é belo é verdadeiro.

Tive a impressão, por várias vezes, que eu estava velejando por mares agitados e perigosos dentro de mim mesmo a cada inspiração, a cada respiração... só tive paz quando passei a confiar na embarcação na qual eu iria me apoiar, uma linha de pensamento na qual as coisas todas fariam sentido. Sentido para mim, é claro, porque se eu revelasse o que é de mais intenso e interno em mim, não faria sentido, ou seria necessário, ouvir as batidas do meu coração. Sim, eu pensava comigo: pra que somar, se é possivel dividir? Era o mais doce dos meus cérberos, que a essa altura não passava de um filhotinho a procura de um dono. Eu fora domado!

E foi assim que eu reduzi milênios de civilização em dias de peregrinação intensa. Reduzi a história de um dos centros da humanidade à historia do meu encontro com o mais secreto de mim mesmo – que eu mantinha amordaçado e encarcerado na mais suja das celas do meu pseudo-inconsciente. Em Roma eu libertei-o. Libertei-o, e agora ela conhece o caminho da liberdade, e por isso, agora, pode ir e vir, ir e vir, ir e vir, ir e vir... e vai, sem medo das cicatrizes.

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