11.11.06

Óbvio

Sentia um amor tão grande, tão intenso, tão, que eu queria te bater, queria te machucar até sangrar, só para depois ter o prazer de cuidar, de acariciar, de prover, de tomar conta, enfim. Mas também era o mesmo amor que envergonhava, que, de volta ao passado, revelava toda a amaturice do antes, do que não me orgulha, do que já foi, mas que não deixa o meu senso crítico caminhar em paz. Eu me perdia nos infinitos motivos que eu tenho para me envergonhar... até que eu me lembrava das noites que, em claro, me ocupava de soprar a sua nuca para ver seus pêlos se arrepiarem e depois contar o tempo que eles levavam para que se deitassem novamente – quando eu deixava que eles se deitassem novamente.... e fazia isso sem me perder, observando seu corpo dormindo diante de mim, como um milagre! Você inspirava e respirava, e eu ficava tão feliz que doía: e então eu apertava forte os dentes para não te beijar com toda a força da minha carência, e saboreava com propriedade de enólogo, o sal dos seus olhos. Eu queria te abraçar, e chorava de tanto amor. Eu queria te abraçar e te acordar porque eu queria te sentir não com a impossível entrega que quem só quer a filantropia, mas com a gana de quem abraça e quer ser abraçado em retorno - o mais genuíno e antigo dos quereres humanos: o egoísmo. Queria te comer pra te trazer sempre comigo, sermos um só não apenas no sangue. Queria te comer para digerir o seu eu e sermos, definitivamente, nós – queria o seu “de dentro” sendo parte do meu “de dentro” também, mas não apenas para desafiar a física e provarmos que dois corpos poderiam sim ocupar o mesmo lugar no espaço, mas para te carregar comigo como uma mãe orgulhosa carrega a cria, no ventre. Queria que os mundos todos soubessem que eu te amo – e para isso, eu não podia te amar, de forma alguma, baixinho... Eu queria gritar, mas em vez de explodir os pulmões eu te olhava grave e sorria; você ditava o ritmo da nossa respiração: você mandava em mim até quando não se dava conta disso!

Nos momentos em que eu não estava contigo sentia crescer dentro de mim um ódio que me transbordava e assumia proporções burlescas, infectando o ambiente como uma doença virulenta e mortal, porque não admitia que houvesse para você, uma vida da qual eu não participasse. Eu me odiava por não ser infinitamente provedor e suficiente... e odiava as pessoas, tanto quanto odiava os momentos nos quais eu não estava com você. Na verdade eu também odeio esse texto porque nele eu revelo que te amo. Eu odeio lembrar que eu não podia acordar do seu lado; eu odeio lembrar que não te falei que eu ia embora; eu odeio ter passado a carta por baixo da porta; eu odeio não ter estado ao seu lado quando você morreu; eu odeio não ter te dado a mão quando rodamos na estrada; eu odeio ter jogado perfume no seu travesseiro; eu odeio ter te expulsado do quarto durante a noite; eu odeio não ter lhe dito tudo muito antes; eu odeio não ter ficado contigo quando você me defendeu; eu odeio ter ficado sem conversar com você; eu odeio não ter simplesmente trocado a lâmpada... – eu me odeio por ter feito você chorar.

Nenhum comentário: