24.9.08

Nêmeses



Há uns dias atrás eu me encontrei com o meu nêmeses. Ele foi o grande amor da minha vida e responsável por muitas – mas muitas das minhas neuroses. Os que me conhecem razoavelmente bem já ouviram o seu nome e a nossa história, e conectam a minha insegurança à sua memória. E há duas semanas, depois de dez longos anos, eu estava sentado do lado de fora do Tussauds, ouvindo “8 Easy Steps”, aguardando por ele. Eu fiquei nervoso, tive dor de barriga, falta de ar e ataques de pânico – sem contar com os diversos momentos em que eu quis fugir!

Há dez anos eu recebera um e-mail criticando o Inglês dos textos do meu site: de início eu fiquei indignado com a provocação, mas em pouquíssimo tempo, eu estava completamente apaixonado. Foi uma história de amor trágica e intensa – digna de tragédia! Até hoje eu não amei ou fui machucado tão profundamente... e em minutos eu o reencontraria. Ele estava dentro do museu de cera fazendo turismo. Eu não quis me juntar a ele, e, por telefone, disse que chegaria mais tarde e que o esperaria do lado de fora.

Pois e então? Nós nos veríamos sim, mas e depois? Passaríamos o dia juntos ou não? Eu não sabia se eu me sentiria confortável perto dele. Eu não o odiava, mas quanto a saber se eu me tornaria uma fonte de emoções, eu não tinha idéia... Enquanto decidia se apertaria sua mão ou se teria coragem de ensaiar um abraço, eu olhava pros lados e todos se pareciam com ele. Na verdade eu não me lembrava mais dele, mas apenas das fotos que eu tenho no meu relicário. Cada um dos que tinham sua cara me interrompiam o ensaio das palavras que eu diria depois de dez anos. “You Oughta Know” tocava ao fundo e eu levantei a sobrancelha quando percebi – mas não era mais o caso.

Dois anos antes nos encontramos no Orkut e exorcizamos, de certa forma, a bagunça que rondava as nossas vidas. Eu não entrei em detalhes, mas nem ele sabe que eu não consegui levar minha vida adiante depois que peguei o avião de volta pra casa: de inicio tudo era triste, e depois a tristeza cristalizou e se tornou uma carapaça. Eu vivi esse tempo todo sob a sombra monolítica do meu inseguro e cristalizado coração. Eu confesso: achei poeticamente justo o golpe que ele sofrera em Paris – a historia se repetir, e caçador se tornar a caça foi saboroso. Mas eu também sabia o quanto dói, e, no fim, senti foi pena dele.

Os minutos pareciam horas e eu me levantei e fui pra porta do metrô: eu queria ir embora e deixar tudo pra trás! Seria a derradeira vingança... mas eu não me perdoaria jamais por ter perdido a chance do confronto. Nesse momento eu dei conta de que eu tinha o poder de simplesmente não aparecer, e de um jeito meio torto, eu criei forças de não sei onde, e voltei pra o Tussaud ao som de “The Couch”. Minhas mãos suavam enquanto eu ensaiava o que dizer, e quando eu achava que finalmente havia uma linha de raciocínio razoável, o telefone toca. Era ele. Eu olhei para a saída do museu e, de costas, havia alguém com o celular nas mãos... eu me levantei, engoli o coração e caminhei em sua direção. A sua voz sorria e eu não ouvia mais nada a não ser o que vinha do telefone. A cada passo meu a sua voz sobressoava ao telefone: ele não parava de falar... Criando coragem de um bandeirante, eu desbravei as suas frases e disse: estou atrás de você, olha pra mim!

Foi ele quem se jogou sobre mim dizendo: “Mininu!”, e me abraçou, e me beijou o rosto. Ele sorria com cada poro do rosto, e foi naquele momento em que ele se tornara humano outra vez. E foi naquele mesmo momento em que eu me desarmei e desliguei o I-Pod...

Passamos o dia juntos: eu, ele e os seus deliciosos amigos. E nos reconciliamos. E sorrimos juntos – como há dez anos. Eu era o dono do mundo e eu podia tudo: mas internamente, porque por fora eu era apenas o que eu me preparei por longos dez anos...

Logo quando nos vimos, ele apontou pra a cabeça e disse que os cabelos o haviam deixado. Eu me lembrei de quando ele estava lá em casa no Brasil, ele dizia que a calvície era um dos piores pesadelos... e eu respondi: “não liga não, o meu também está raleando!” Ele me olhou de cima abaixo e disse: “Para com isso, você está ótimo!” Outro momento que me tocou muitíssimo foi quando, na porta do banheiro da London Eye, eu tentava me recuperar do dia... todos eles estavam no banheiro e eu, do lado de fora, andava de um lado pro outro, tentando digerir o que quer que estivesse acontecendo, percebi que eu estava feliz... eu estava feliz! E sorri! E na medida em que iam se recompondo, cada um dos amigos dele saíram do banheiro e seguiam em direção das escadas para voltarem pro nível da rua, e ele, subindo do meu lado, me abraçou e disse no meu ouvido: “eu estou muito feliz por termos nos encontrado. Você está milhões de vezes mais bonito do que há dez anos... mais ainda do que eu me lembrava.” Eu não sabia o que dizer... eu não sabia nem sequer se deveria dizer qualquer coisa... Eu não sabia nem sequer se eu queria dizer alguma coisa! Se o tempo pudesse ser congelado em fotografia, eu gostaria que aquele momento fosse uma das fotos do meu obituário... Na falta das palavras, eu o abracei e muito carinhosamente – e agradecido, eu o abracei. Eu estou livre!

Um comentário:

Wagner Hardman Lima disse...

Lindo demais o texto. Forte e denso. Amei, Mr Crocodile. bjao