3.4.08

Os Mortos-Vivos

Fazia anos que eu não ouvia falar do Leozinho da Dona Custódia... Até hoje de tarde eu caracterizava o tal Leozinho como um personagem secundário da minha infância em Caratinga, quando eu passava as férias de julho na casa da minha avó – mas que hoje em dia eu vejo que não estava tão em segundo plano assim, e que brincava comigo junto das meninas da Maria “Continoua”, e, claro, meus primos.
Foi com essas pessoas que eu fui criança e brinquei de birosca, de corda, de pula-elástico e a conhecer/temer lendas urbanas como a mulher de algodão, a mão preta, a loura do banheiro e outras besteiras que me tiravam o sono. Um tempo atrás não sei quem me deu notícia delas, contando que uma-a-uma casou-se, a não ser pela mais velha, a Selminha, que ficou em casa pra cuidar dos pais. Mas de tão secundário que era, ninguém sabia dar notícias do Leozinho – o que me fez imaginar que ele era personagem secundário não apenas pra mim. Ele podia ser secundário sim, mas em certos aspectos ele quase que uma entidade. Por exemplo, era a cara da pobreza pra mim, naquela época, e até hoje eu guardo a sua imagem como a que ele exibia quando criança: magrelo – daqueles que têm as costelas à mostra, mal-vestido e com o nariz constantemente escorrendo, mas feliz, feliz, feliz. Brincalhão como ele só, sempre disponível e presente – mas, mesmo assim, personagem secundário.
Eu sempre tive essa fantasia de querer ver a casa da minha tia Verinha sem que eu estivesse por perto a modificar a rotina da casa e saber como era a vida dos meus primos. E o Leozinho fazia parte dessa fantasia, quando eu imaginava como ele contava as nossas travessuras pra os colegas de sala, referindo-se ao primo do vizinho que vinha passar as férias de julho com eles e se a vida era tão divertida com eles, mesmo eu não estando por perto. Claro que esse sentimento era uma forma pré-adolescente de egoísmo – ou de imaturidade, ao pensar que eu era o centro daquilo tudo. Não o centro, talvez, mas um carnegão na rotina deles todos que não podia ficar imune a um elemento extra inserido no dia-a-dia daquelas pessoas.
E ontem eu tive uma surpresa indescritível: o Leozinho me enviara uma mensagem pelo Orkut! E de repente ele estava casado, tinha uma filhinha linda e uma vida. Ele não era mais prisioneiro da minha memória. Aliás, ele nunca fora prisioneiro meu, mas eu o tinha como estereotipo de alguma coisa que ia e vinha ocasionalmente, mas que se libertou ontem quando vi que em vez da imagem que eu tinha antes, agora o Leozinho era outra pessoa diferente da cristalização que eu fantasiei. Mas a libertação dessa entidade me fez pensar em como, só porque eu não tinha notícias dele, eu o sentia morto. Não que eu pensasse que ele estivesse, mas uma forma inconsciente de morte, como quando uma pessoa não te incomoda e nem te excita: parece que ela não existe.
E num passe de mágica eu parei pra pensar em quantos “eus” devem estar cristalizados no inconsciente alheio, e que da mesma forma, outras pessoas me sintam morto também, numa linha de pensamento parecida com a que eu acabei de explicar. Os sentidos nos pregam peças, como eu disse agora a pouco, e da mesma forma como alguns morrem, outros permanecem vivos. Sim, exatamente pelo motivo oposto, outras pessoas são tão vivas na minha memória que eu não consigo assimilar o fato de que elas não mais respirem – como a própria tia Verinha, ou o Vô Cardoso.
Numa outra fantasia eu imaginava como as pessoas reagiriam à notícia da minha morte e como a vida continuaria logo em seguida – ou, de vez em quando, eu imaginava como outras nem reagiriam porque eu seria um personagem secundário na vida delas, e que por isso mesmo, não faria diferença porque, de certa forma, eu já estaria morto. Aliás, agora mesmo eu entendo que quando eu não estava na casa da minha tia, eu, de outra forma, estava morto também. E agora mesmo eu estou morto porque eu não estou presente aonde eu poderia ser plano. Bem, eu estou presente agora na minha cama, na Inglaterra, mas e pra aqueles em que, no Brasil mesmo, eu era secundário? Será que eu já morri e não sei?

3 comentários:

Rodrigo disse...

Existem diferenças formas do amor ser construido em nós. Uma delas é a família - esse ciclo que é quase um dogma ! Mas também depois de crescido existem compreensões que merecem ser respeitadas e acolhidas, como saber por exemplo que nem sempre quando estamos perto ou próximos de alguém, o amor acontece - sentimento este que não depende do ritual da presença, mas muita das vezes da marca da ausência.

Um beijo !

Rodrigo disse...

* diferente formas !!!

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