4.1.07

Geodésias

Eu meio que sempre fui levado pela corrente porque não sabia o que eu queria. “Siga o fluxo!” – diziam, e eu seguia o fluxo. Silenciosa e mansamente eu seguia o fluxo. Cresci olhando sempre pros lados com medo de ser julgado, e por isso seguia o fluxo – ensinaram assim pra mim, e eu confiante e humildemente acreditei no pseudo-poder de julgamento do rebanho. Eu me entregava a um mundo muito mais amplo do que as minhas, até então, mais desvairadas pretensões, sempre a fim de seguir o fluxo... sempre o fluxo... fluxo... flux... Hoje eu não sei se me arrependo ou não por ter seguido o fluxo porque estou feliz com o que estou. Estou sim, mas não me oponho a pensar nas diversas realidades que poderiam ser o hoje, se eu não tivesse dito sim para determinado evento. Um dia desses, por exemplo, eu pensei na morte de uma das minhas tias, e em parcerias infelizes. Pensei que poderia insistir com minha tia pra que ela fizesse outras vezes a mamografia, e, para as parcerias, pensei em não estar em determinados lugares em certas horas, ou em simplesmente dizer alguns nãos de vez em quando, mas fiquei perplexo com os possiveis efeitos colaterais. Sabia que eu não poderia viver indo e vindo no tempo, e vi que o que é realmente sensato é dizer adeus para o passado, e ver o eu de ontem, cada vez mais distante do eu de hoje...

E como sempre, esse tipo de insight me faz pensar desordenadamente na vida, e também desordenadamente percebi o quanto, independente da minha decisão, o meu passado já está distante de mim... como está distante a minha vida em Governador Valadares! Os meus DVDs, meus Cds! A sala de aula, administração, fórum! Enfim, toda uma vida que, de tão distante, ja não provoca qualquer sentimento, a não ser me deixar indiferente... literalmente distante, como se não fosse comigo! Mesmo os meus dentes antes do aparelho estão distantes, na minha memória... eu me lembro, no entanto, do momento em que eu tirei o aparelho ortodôntico e senti, depois de muito tempo, a superficie lisa dos meus dentes roçando a gengiva – era emocionante, mas nem aquela surpresa eu mantive, porque a superficie dos meus dentes é parte de mim outra vez. Acostuma-se com o óbvio – e disso eu já sabia. A novidade veio com a percepção de que o óbvio é facil, apesar de não ter que ser... estranho isso. Lembrei dos amigos da escola, da faculdade, da rua, que me eram indispensáveis, mas que hoje sã quase como se não tivessem nunca existido... muitos deles estão apenas na memória, alguns apenas em fotografias. Esses dias eu me peguei contando a minha performance no ensino médio para o Juninho, e comparando com o que ele contava, e o feedback era engraçado, porque tínhamos base sólida para nos apoiarmos - a memória era um palco amplo para isso. Mas quando eu contei da faculdade, vi que ele ouvia e não sentia nada, porque simplesmente era uma realidade que ele não conhecia, e fui tocado pela sensação de que a escolaridade hoje em dia, pra mim, não faz diferença! Meio que como na infância, em que a diferença de poucos anos de idade era um abismo instransponível... mas depois é nada. Lembro-me de quando eu tinha 7 anos e um colega14... era um abismo de idade nos separando, mas hoje eu com 27 e ele com 34 soa como quase nada... ou não faz diferença porque estamos ambos no que se chama de maturidade, que eu posso definir como o ponto a partir do qual tudo se iguala. Portanto, não é a idade, mas a experiência que conta (ai, como eu estou redundante hoje!). Sim, hoje que vejo que eu abdiquei dos infindáveis anos de estudo e de fila indiana seguindo o fluxo, para chegar num ponto em que eu estou num país estrangeiro dependendo de conhecimentos que eu não tenho onde apoiar! Olho para eles e vejo que os meus diplomas não servem para o que eu quero, me deixando num vácuo escolar digno dos que eu julgava tanto no Brasil por não terem feito faculdade ou seguido alguma linha profissional mais ou menos reta. Mas quem disse que a menor distância entre dois pontos é uma reta, afinal? Besta fui eu em acreditar nisso sem confirmar... e hoje eu levanto os braços e rio gargalhadas altas porque deixei toda uma vida de fluxo semi-reto para trás e, pasmem, sem arrependimento algum! Então eu me divirto imaginando o que a pessoa do meu lado pode me trazer de diferente, pra acrescentar à minha vida. O que me fascina hoje é imaginar o que vai estar distante de mim amanhã, sem perder o contato com o que é realmente importante: o hoje. Ou serão as geodésias, essas desconhecidas! Ah.... o fato é que não apenas as geodésias, mas até o meu organismo é um desconhecido pra mim hoje em dia! Estou surpreso com minhas reações diante de situações das quais eu me via (e ainda vejo, dada a desatualização), reagindo assim ou assado, em que na prática eu ajo completamente diferente. Eu estou mudando e não estou dando conta do meu processo de absorção do já. Eu estou me observando pelo lado de fora, procurando por geodésias no meu processo de crescimento, mas tão absortamente que eu não percebo o que acontece aqui dentro: não vejo as retas. Talvez seja como disse a raposa: “o essencial é invisivel aos olhos”, afinal.

Eu estou sempre me perdendo (ou achando?) e vou seguindo o que me parece razoável – sejam retas ou geodésias... Não posso dizer, de forma alguma, que eu tenho controle da minha vida; eu me sinto num jogo de xadrez, em que nem a peça que eu represento eu sei! Mas acredito que a grande graça nisso tudo é o fato de que eu não sei mesmo das coisas. Talvez, inclusive, se eu não soubesse as coisas que eu acho que sei, eu seria mais feliz, ou mesmo mais aceito pelas pessoas. Mas sei que o conhecimento é um caminho sem volta – o cerebro não se recompacta. Bem-feito pra mim!

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