21.1.07

172 (ou: Ruínas)

Faz uns dias que eu estou na adorável Inglaterra. Bem, como sempre, uma frase solta me faz pensar em algo que, de uma certa forma, se conecta, no fim (mesmo que forçadamente)... mas estar na Inglaterra me fez lembrar que os esquimós têm 12 ou 13 palavras que designam tons diferentes de branco e já que eles podem, por que eu também não posso dizer que existem tipos diferentes de frio? Certo, certo.. nem tão polêmica é a minha afirmação, mas eu queria era dizer que Turin está mais fria do que aqui – mas não é o mesmo tipo de frio não! Faz um frio seco em Turin, e frio úmido aqui em Reading. Mas eu não vim falar sobre o frio daqui ou o frio de lá – vim falar de decepções – que também remete a “frio”.
Ainda não entendi a Inglaterra. Essa falta de postar se resume sim, nisso. Não escrevo porque não tenho, simplesmente, o que escrever. De vez em quando eu sinto alguma coisa, mas esse instante fugido só se revela ou dentro de uma danceteria, ou num momento de vento muito forte – talvez só pra eu não poder anotar: daí eu guardo na memória, mas o instante não mais está lá. Penso que isso se deve à Seleção Natural de Darwin, em que os instantes mais fracos sucumbiriam diante dos mais fortes. Portanto, se a falta de sensibilidade diante da Inglaterra pode estar ligada a um sentimento interrompido, talvez – como num tratamento psicanalítico, se eu trazê-lo à tona, ele se dissolva e dê lugar a outros, permitindo que eu... ah, enfim, que pare de me enervar! O que não me foge da memória a lembrança das limpezas no meu quarto quase que semanalmente, pra satisfazer a minha necessidade de organização na vida. Bem, eu inaugurei, conscientemente, a minha chegada à Inglaterra com uma big faxina na casa do Izalty – junto dele, claro. Mas antes de aspirar o quanto, tiramos o pó do aspirador – estava sujo demais! E na mesma tarde me peguei diante da Clarice me perguntando:

“Se recebo um presente dado com carinho por uma pessoa de quem não gosto – como se chama o que sinto? Uma pessoa de quem não se gosta mais e que não gosta mais a gente – como se chama essa mágoa? Estar ocupado, e de repente parar por ter sido tomado por uma desocupação beata, milagrosa, sorridente e idiota, como se chama o que se sentiu?”

Meu sábio pai uma vez me disse que apenas te decepcionam as pessoas em quem se confiam. Fiquei perplexo, mas depois de examinar bem, vi que era verdade porque nunca se dá oportunidade para um estranho te decepcionar. E acontece que o tombo é ainda maior quando não se tem nem coragem de dizer como foi o tombo. Só consigo dizer, sem reviver o trauma, que o meu coração está em ruínas. Também estou decepcionado com o fato de que “nenhum” restaurante fabrica sua própria comida aqui em Reading. Aliás, fabricam sim, mas industrialmente! Nada é, como se diz, feito em casa. E o pior: por conta dessa industrialização, os funcionários da cozinha são justamente aqueles que ou não falam Inglês ou são ilegais no país. Isso significa que o meu sonho de trabalhar com gastronomia de verdade vai ter que esperar um pouco mais de tempo, até eu ter condições de ter meu próprio restaurante...

(...)

Fiquei bobo, de repente! Calma lá! Já estou desistindo - foi isso que eu entendi? [pausa para água] Andava de um lado pro outro pelo quarto, com um copo d’água passando de mão em mão, boquiaberto e fiquei com medo de ter desistido! Mas e se, em vez de desistir, eu estiver mesmo é chegando à conclusão de que esse “sonho” era só um pretexto? Acontece que eu acreditei nesse sonho! E eu me confundi: não sei se essa (pseudo)desistência é ou não é saudável. Digo, será que eu deveria adiar o que eu disse que vinha fazer aqui por conta dessa dificuldade? Ou será que todo tempo eu amava o que eu fazia, mas queria mesmo era fugir, e passei a acreditar demais no motivo que eu criei. Será mesmo que eu enganei até a mim mesmo? Não... eu definitivamente queria mais. Ou simplesmente não queria mais o que eu tinha – tive certeza dessa parte quando eu visitei Valadares e senti pena dos meus pais naquela cidadezinha, pena dos meus amigos por fazerem a mesma coisa sempre e sempre, como vaquinhas de presépio. Mas isso justifica o fato de eu ter vindo pra tão longe? Ou serei eu a vaquinha de presépio? Não seria mais fácil simplesmente mudar de cidade, ou de Estado? Não... eu queria a cidadania. Na verdade, penso que a própria ânsia de oficializar a cidadania me desgostou, aos poucos, da minha vida. Acho que agora eu entendi... a pergunta-chave é: qual a vantagem de se ter cidadania Européia, vivendo no Brasil? Claro que essa é uma pergunta essencialmente retórica na qual eu embuto outra forma de sofisma – ao menos essa é a intenção. Ao menos agora eu me sinto como, quando eu tinha meus 5 ou 6 anos, eu queria, porque queria tomar leite de coco. Cozinhavam uma peixada, e eu me apaixonei pelo aroma do leite de coco. Pedi um pouco e me deram uma colherada. Pedi mais e ganhei outra colherada. Pedi tudo, e com paciência de relojoeiro venci a cozinheira que me deu toda a garrafinha. Acontece que eu não queria o leite de coco: eu só queria vencer a argumentação. Até que, não sei se por perceber minha falta de jeito com a garrafa na mão, ou por simples raiva de ver uma criança sendo mimada, alguém – sem nem saber, salvou-me daquela garrafa odiosa, daquele elefante branco, destinando-a ao peixe. Mas quem me salva agora do meu passaporte?

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