24.2.07

Inferno Astral - Parte II: Amém

Saí com pressa do banho porque eu tive um insight ao chuveiro, e lá dentro eu não podia escrever. Foi doloroso! Não... foi cruel. Cruel como adiar o gozo. Fiquei marcando as idéias, passo-a-passo, como numa aula de dança. Mas não era a mesma coisa: as idéias desciam pelo ralo junto da espuma, em espiral, confusas. Confusas como elas nasceram dentro da minha cabeça. Eu me vi com o sabonete na mão direita parado sobre a barriga e com a boca entreaberta e a água escorrendo pelos cantos da boca. De vez em quando a água me cegava quando entrava nos olhos, e ardia. Outras vezes eu sentia o gosto adocicado do sabonete dentro da boca, mas não tão doce a ponto de evitar que eu divagasse tentando eleger o momento em que eu mais fui feliz na vida. Avaliações desse tipo são muito comuns nas vésperas dos aniversários – pensei, mas o que me intrigou foi o fato de que eu me pegava re-exercitando um tema que eu tinha superado: felicidade.

Acontece que enquanto a água escorria pelo ralo eu percebi que eu não tinha superado o tema. Sim, superar é a palavra correta porque não se esgota o que é etéreo. Eu sei que vez ou outra eu poderia reavaliar meus conceitos, mas não com tanta freqüência. Achei que fosse assim... Foi então que me ocorreu que eu não tinha superado o tema, mas apenas pensado que o fizera. “Onde foi que eu errei?” – quis saber. Pensei onde eu poderia ter errado, mas o que vinha à tona eram apenas imagens desconexas de épocas em que eu não era eu mesmo. Épocas em que eu sabia o que eu era, mas não era, no fim das contas. “Mas quem sou eu?”, perguntei-me, e a resposta foi a certeza de que eu só fazia a reavaliação da minha vida porque eu não sei quem eu sou agora. Só agora me ocorreu que eu nunca soube quem eu sou. Eu me satisfazia identificando o que eu estava, mas nunca me preocupei tempo suficiente para entender quem eu era e descobrir o nome pelo qual eu me chamo, em vez de Leonardo, que é como as pessoas me chamam. Mas, sim, sem identidade. Perdido dentro de mim como apenas eu poderia estar – sem capacidade nem para me identificar com uma imagem “qualquer”, porque senão eu estaria me encontrando, de alguma forma. Outro dia ouvi dizer que perder-se também é um caminho...

Eu me lembro bem de estar entediado e em busca de desafios, mas eu estou enfrentando muitas dificuldades para me encontrar de novo. Infelizmente o que eu já fui, o que eu achava que fosse, ou o que eu queria ser – nada disso tem importância agora. Eu até grito, mas quando me ouvem eu fico quieto pra não me encontrarem... e mesmo quando eu não quero, eu me saboto. Eu não sou um adulto em corpo de criança a quem é dada uma segunda chance de recomeçar, usando a sua experiência – sim, eu cheguei a acreditar que isso fosse verdade. Mas não: eu sou uma criança em corpo de adulto que é amaldiçoado com o fardo de ser novamente o que ela mais abominou ser – uma criança.

Não, eu não quero ser uma criança outra vez! Que tipo de lição seria essa que eu tenho que aprender agora? Quando foi que esse maldito anjo me ouviu dizer que eu queria ser diferente? Quando foi que ele falou amém? Será que esse anjo idiota não percebe quando estou fazendo apenas drama? Por que a verdade tem que me ser jogada na cara todas as vezes? [pausa] De repente eu me peguei horrorizado com a pergunta que eu acabei de fazer! Estou pasmo! Será que eu sou tão idiota como eu soei agora? Quem mais me enxerga assim, meu Deus? Anjo, obrigado!

Vêem? Enquanto eu escrevo já vou me consolando e me abastecendo de fé. Às vezes não sei se eu não tomo a iniciativa porque eu não serei mencionado no jornal... às vezes acho que não o faço porque meu pai me fez prometer que eu me cuidaria... outras porque eu sou apenas uma criança no fim das contas... eis então que o que me resta pra distrair da vergonha que sinto por não ser sincero comigo é pensar em coisas que podem ser mencionadas em voz alta – sem vergonha, como: quer dizer então que as coisas que eu esqueci que sabia não se perdem: elas apenas precisam de reavaliações até ficarem satisfatoriamente polidas? ...e assim, mais uma vez, eu me consolo e sublinho o que eu posso dizer em voz alta.

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