1.10.06

Bliss

Num quarto de hospital uma senhora espera pelo beijo da morte, mas não se sabe sequer se a nossa senhora quer jogar com a morte, enfim. Enquanto isso, do outro lado estamos nós ansiando por uma casa maior – uma morta não precisa de casa, argumentaram alguns, mas nós sim, completaram. De volta ao hospital, sabemos que a senhora é deixada para refletir e comungar com seus cistos – ou seus cistos que querem se reconciliar com ela. Talvez até tenham se tornado companheiros, afinal, já que fazem-se, agora, mútua companhia. Sós, uns com a outra. Nenhum dos filhos está por perto. Apenas os cistos estão por perto… muito perto, diga-se de passagem. E a gente contando os dias, contando os suspiros… acompanhando cada segundo junto do relógio – afinal, queremos a casa! Então a senhora se vai e o apartamento fica vago: a apartir daí a euforia não é mais apenas dos recém-promovidos condôminos; é também da prole que agora decidirá sobre o que será objeto de espólio e o que será deixado na casa, para a sorte.

Depois do vilipêndio, ficaram os óculos grossos sobre um cesto de linhas e agulhas, dois travesseiros e um terço. As palmas abençoadas em procissão também ficaram, mas nenhuma dessas sobreviverá a uma nova peneiração, agora promovida pelos posseiros, também conhecidos como, simplesmente, recém-promovidos a condôminos. As palmas sairão das paredes, o crucifixo foi para o lixo, e os óculos nao terão um parente que os guardará como relíquia sentimental, porque não tinha valor para o espólio. Toda uma vida reduzida a marcas de quadros na parede, e a um amontoado de pregos retirados dela, mas que agora jazem no chão – como a velha senhora recém-promovida à vida eterna. Deus, que o Senior me permita ter por perto, uma mão amiga segurando a minha na hora de eu partir. Amém.

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