31.10.06

Amor ao Contrário!

Ja fazia um tempo que eu queria falar sobre Palíndromos. Palíndromo é o nome do fenômeno em que as coisas, ao contrário, são elas mesmas. A maior delas, em Português, é a sentença: “Socorram-me subi no onibus em Marrocos”. Outros palíndromos simpáticos são: radar, mussum, ovo... Amor, ao contrário, não é amor, mas Roma. Não que Roma seja odiosa ou que não se possa amar em Roma – muitíssimo pelo contrário! No entanto, achei simpático lembrar das palíndromos antes de abrir o tópico.

Incrível como somos capazes de mudar, evoluir, perceber as coisas, mas logo quando cheguei a Roma, o Jim me disse que no dia em que o Coliseu cair, Roma cai.... e no dia em que Roma cair, o mundo se acabará. Não sei quem é o autor dessa frase, mas sou obrigado a concordar com ela e acrescentar que Roma é algo indescritível e completamente inexplicável – é para ser visto e venerado, apenas. Fotos não fazem jus à beleza e a tudo o que lá se encontra. Eu me reservo, inclusive, ao direito de guardar comigo as coisas que vi porque, de acordo com Madredeus, “quem contar um sonho que sonhou, não conta tudo o que encontrou: contar um sonho é proibido!” Sim, claro que eu estive muito bem acordado e que as diversas bolhas nos meus pobres pés são testemunhas dos dias adoráveis que passei por lá muito bem acompanhado. Na verdade, digo até que lá em cima eu estou muito bem cotado porque eu não sabia que eu merecia tanto... não mesmo!

Mas, no entanto, cada um tem seus motivos para gostar ou desgostar de algo... Dizem que gosto e nariz, cada um tem diferentes. Não digo que há pessoas que não apreciariam tudo o que se encontra apenas em Roma... na verdade eu duvido que exista alguém que não se maravilhe com a grandeza da cidade, ou com a capacidade humana estampada em cada um dos monumentos dali! O fato é que há pessoas que a veriam como um monumento à vaidade humana, outros, como eu, apenas se entregariam – e ponto final. Eu amei cada segundo que passei na cidade, mas o que mais me chamou atenção foram a Fontana di Trevi, o Panteão, a Cripta dos Monges Capuccini, o Forum Romano e claro, o Coliseu. (os nomes podem ser clicados)




Eu sei que é impossivel ir à Roma e deixar de visitar diversas das muitas Igrejas da cidade que é o coração do Catolicismo. Claro que eu fiquei extasiado com os locais que visitei e com as coisas que vi. Entre os momentos em que eu me sentia burro, eu ficava boquiaberto – sim, burro, porque tem tanto o que se saber sobre Roma... e saber sobre Roma é ter que conhecer a história do mundo! Eu senti algo ainda mais profundo que todo o êxtase histório e fático que eu poderia sonhar em sentir em Roma. Algo mais profundo, mais intenso ainda me aconteceu lá: aconteceu a conciliação da razão com a minha fé. Não falo de paz interior e nem de conversão, mas de sentido.... de repente, tudo fez sentido e muitas peças encontraram seus pares e o quebra-cabeças ficou mais organizado. Ok... confesso que eu encontrei muitas respostas para as quais eu ainda não tenho condiçao de formular as correspondentes perguntas, mas isso não faz com que a minha jornada mistico-intelectual fosse menos intensa. Na verdade, ainda estou em êxtase – meus pés não tocaram o chão desde que eu voltei – e não estou falando das bolhas!

Uma das coisas mais fantásticas que se pode perceber em Roma é o fato de que tudo é histórico, tudo tem valor cultural, tudo remete a um tempo em que eu, ao menos, imagino em que as coisas eram mágicas, quando a vida era mais mágica, enfim. Sim, sinto falta da mágica nos dias de hoje. Magia no olhar das pessoas, magia nas ações, no cotidiano. Essa mágica, no entanto, ainda existe, e diante da companhia certa, não importa onde se esteja, o que se faça, o que se diga: a mágica ressurge do nada. Alguns chamam essa mágica de conhecimento, outros de satisfação, outros de fé. Minha estada em Roma teve tudo isso! E eu não tenho condiçoes de descrever o que aconteceu por lá... somente os iniciados têm condição de saber o que aconteceu.

Acontece que eu estive diante de relíquias históricas e sagradas. Pode ter sido isso... Isso, por si só, ja seria suficiente pra fervilhar a mágica da qual estou falando. Acontece que eu não sei se mais históricas que sagradas ou mais sagradas do que históricas, mas o fato é que diante delas eu fui tocado diretamente no coração e senti-me lisonjeado pela oportunidade de poder abri-lo novamente, e decidir – de bom grado – que eu mais que apenas ouviria atentamente ao que meu anjo me dizia, mas que eu daria sentido a tudo aquilo. E de repente sorria: já era felicidade.

Meus dias em Roma me deram a oportunidade de ver relíquias as quais me deram a chance de me reconcilar – já disse... mas não disse que a porta que elas abriram – ou fecharam, não sei, mexeram com os alicerces do que eu acreditava ser tão concreto, mas tão concreto, que pensava que eram até irretocáveis, perenes, num sentido estrito e definitivo. Senti, de perto, o poder do tempo. E o tempo me mostrou que eram concretos sim, meus alicerces, mas que os mesmos não eram eram decididos como a flecha, mas acentuados como o gosto do tiramisù, ou leves como o ar, mas trêmulos como o topo da panacota... esses alicerces não eram mais lindos como o Panteão, sedutores como a Basílica de São Pedro, ou inebriantes como vinho: meus alicerces tinham o tamanho do amor.



O amor, em Latin, pode corresponder a varias coisas: ágape, eros, storge, pragma... eu fui tocado pelo amor quando eu coloquei os pés na primeira das Igrejas que eu visitei, e decobri que nela estariam os restos da manjedoura onde Jesus nasceu, ou quando n’outra se encontravam os crânios de São Pedro e de São Paulo, ou que numa praça, num obelisco, estariam lascas da cruz em que Jesus foi crucificado, ou quando apoteoticamente fui seduzido pela Basílica de São Pedro, e suas indescritíveis imagens. Eu via, cria... ou cria porque queria: a fé tem dessas coisas. Eu já tinha visto o Sudário em Turin, mas foi em Roma que eu entendi que o que é belo é verdadeiro.

Tive a impressão, por várias vezes, que eu estava velejando por mares agitados e perigosos dentro de mim mesmo a cada inspiração, a cada respiração... só tive paz quando passei a confiar na embarcação na qual eu iria me apoiar, uma linha de pensamento na qual as coisas todas fariam sentido. Sentido para mim, é claro, porque se eu revelasse o que é de mais intenso e interno em mim, não faria sentido, ou seria necessário, ouvir as batidas do meu coração. Sim, eu pensava comigo: pra que somar, se é possivel dividir? Era o mais doce dos meus cérberos, que a essa altura não passava de um filhotinho a procura de um dono. Eu fora domado!

E foi assim que eu reduzi milênios de civilização em dias de peregrinação intensa. Reduzi a história de um dos centros da humanidade à historia do meu encontro com o mais secreto de mim mesmo – que eu mantinha amordaçado e encarcerado na mais suja das celas do meu pseudo-inconsciente. Em Roma eu libertei-o. Libertei-o, e agora ela conhece o caminho da liberdade, e por isso, agora, pode ir e vir, ir e vir, ir e vir, ir e vir... e vai, sem medo das cicatrizes.

30.10.06

Fatias Finas de Verdade...

O Futuro do Pretérito

Eu também tenho meus momentos de inércia, em que eu me pego olhando pro teto e relembrando das coisas que já fiz na vida. Não, não tenho tanta experiencia assim... na verdade eu sou apenas um filhote de pombo que já perdeu um dos pés. Daqui a uns anos eu posso vir a dizer que não perdi um pé, mas que eu que não percebia direito o poder das minhas asas... até lá eu penso que me verei como eu me vejo há anos: um saudosista do futuro.

Correntes de Ar

Engraçado pensar que o trabalho é o período (des)necessário entre duas férias... este é o tempo em que eu fico fazendo companhia para as lembranças. Rio delas, choro com elas: elas me emocionam como no momento em que ainda eram neonatas, ou simplesmente verbos. Gosto das lembranças assim como eu gosto dos verbos... Sim, lembrar também é um verbo, mas diferente não na transitividade ou nas previsiveis conjugações, mas na possibilidade de serem refeitos, recriados, reciclados, enfim, para que a palavra que deveria ser dita possa, então, ser dita, em vez de se calar, ou que o ato que não deveria ter sido praticado possa ficar no esquecimento, e tornar, com a possibilidade da ação ou da omissão, perfeita, a lembrança. Assim eu me lembro do que deveria ser, perfeito, e não sinto o arrepio que segue do arrependimento sinestésico quando lembro ser imperfeito.

Conciliação

Morre-se com o impossível, vive-se com a possibilidade...
Odeia-se a passividade, detesta-se a cólera: vive-se filosofando!
Obedecem-se aos sentidos: todos os sete. Respeita-os.
Dou-se o direito de me espantar com o óbvio e com o milenar.
Comunga-se com o cheiro do mel e figo, com o gosto da vitela da vó;
Urgencia-se a calma assim como evita-se a perfeição – ou finge-se, quem sabe?
Exercita-se com a mente, brinca-se com o corpo.
Ri-se do cansaço, da piada, do sorriso tímido, enfim...
Batiza-se também com água das conchas e dos aquedutos;
Expia-se com bolhas e saudades, com o frio da surda noite;
Evangeliza-se com sabedoria extraída tanto dos livros como dos tempos!
Babel faz sentido porque as línguas se reconhecem.
What’s simple is true....
A união do profano e do religioso se mostra uma verdade só:
Apolo e Dionísio,
As Madonnas,
Gin e tônica...
Sarará Crioulo!
Uma fotinha pré-Roma prá ilustrar um pouquinho....
Em breve, fotos da viagem que nunca vou esquecer!

20.10.06

Why do We NEED Superman?

Certo… não é novidade – não fui eu quem primeiro fez tal pergunta, sequer é novidade esta analogia, mas, afinal, quem precisa do Superman? Quer dizer, será que não somos suficientes e precisamos acreditar em algo maior, algo que satisfaça a nossa necessidade de sermos protegidos? Precisamos realmente de um ser sobre-humano dotado de super poderes e de uma bondade tão docente que cansa o ego, para nos salvar dos problemas advindos do resultado do nosso livre-arbítrio? Não sei também apontar os motivos pelos quais sentimo-nos seduzidos pela necessidade de naão parecermos sós, mas o fato é que, em algum momento, sentimo-nos e precisamos não de ajuda, mas de puro exemplo - desde que não seja do rebanho! Também não sei o porquê de necessitarmos de uma razão para a qual fomos criados, e/ou por que nossa raça se tornou o topo da cadeia alimentar do nosso planeta. Eu creio! Creio em tudo desde os meus pés, até o que me escapa - por isso serei salvo? Salvação, proteção.. .qual a diferneça, no fim das contas? Eu protejo minha família, provido-a, mas o caos me escapa; e continuaria escapando se minha família se ocupasse, mesmo que fosse, única e exclusivamente, da minha sobrevivência – assim também seria se criássemos uma corrente perfeitamente organizada e funcional em que um cuidaria de quem estivesse a sua frente. Não que eu seja niilista – muito pelo contrário – eu creio até demais no Super-homem: eu gosto de martelar totens sim senhores, mas não me aprazo em ser só. Na verdade o impulso do rebanho me faz conversar com o superman, ou mesmo com o seu pai, em Kripton, de vez em quando. O problema é que ele esta lá – diferente do super-homem do filme, e para não ter que deixar de ser criatura de um ser infintamente superior a ele, nos foi dado o livre-arbítrio, para que ele se faça a mesma pergunta que também fazem os meus parasitas, cujas vidas dependem da minha e, por que não, da minha vontade: por que percisamos do super-homem?

9.10.06

Um Objetivo Perene!

O Juninho saiu, a Tathi saiu, o tio trabalha – todos saíram. Estamos eu e a tia em casa – o que significa que estamos ambos sós: ela lendo Sentinela; eu aprendendo descontraído. Sim, descontraído, porque eu me dava conta de que assim como Marilyn e Elvis, Zaratustra também não conseguiu morrer, enquanto passava a ponta do grafite por entre o vão das unhas da minha mão. Mas foi apenas por isso... se eu continuasse a olhar para baixo talvez eu não tivesse descoberto tal novidade. Não sei o que eu descobriria se estivesse olhando pra baixo ou para os lados. Não sei nem se importa a direção pra onde eu olharia… afinal, se até os mais corajosos raramente têm a coragem para aquilo que realmente sabem, eu prefiro apenas desconfiar. Mas não quero falar do que desconfio nem do que penso ter certeza. Estou decepcionado! Eu estava excitado com a minha visita ao bar em que Nietzsche costumava freqüentar aqui em Torino, mas ontem, quando vi as cenas finais de “Os Dias de Nietszche em Turim” e me deparei com as imagens em movimento de um ser distante que não se parecia nada com um Übermensch, e não demonstrava nem um pouco da vontade de poder. Cheguei a pensar que, sendo aquele seu cárcere, o silêncio também poderia ser uma convicção. Mas não... prefiria Dionísio e Apolo juntos! Também não fui adiante com a idéia porque me lembrara que havia sido lançado um novo DVD da Bethânia chamado: “Música é Perfume”. E Lembrei que eu o queria! Mas também queria tirar o aparelho dos dentes! Ai, como ele está incomodando… dias atrás meu dente incisivo lateral inferior direito sangrava muito e eu acabei mudando minha posição de dormir para que ele melhorasse. Aliado com doses paquidérmicas de água oxigenada a boca parou de sangrar. Hoje o dente só incomoda um pouco, mas a vontade de ver o documentário da Bethânia só cresce! Cresce como os meus cabelos que já não têm corte e caem mais do que nunca. Ouvi dizer que cabelo grande cai mais que cabelo curto… espero que seja verdade porque eu me divido entre cortar os cabelos para não ter que penteá-los mais [penso em máquina 2 ou 3!] ou aguardar mais um tempo até que ele cresça o tanto que eu preciso para fazer um corte razoável. Enfim, de qualquer jeito o destino do meu cabelo é ser cortado. Não tenho muita paciência com ele, assim como ele não tem muita paciência comigo. Acho que nos odiamos.. ou somente ele me odeia, pode ser. Eu o hidrato, penteio, tiro as caspas, mas ele insiste em suas convicções e teimosia de só ficar do jeito que ele bem entende… ele nao me ouve! E me lembra os dias em que lavo a louça do almoço lendo Clarice Lispector, ao som de Britney Spears que meu primo coloca. Uma vez ele me disse que era um paradoxo ler Clarice ao som de Britney, mesmo que a ponte fosse a louça sendo lavada. No fim, tudo remetia a ficar limpo, limpo! E de vez em quando discutimos moral, normalidade e, por que não, higiene? Higiene é uma questão moral Posso estar sendo cruel, mas minha luta com meu cabelo me faz pensar no que devo fazer com o catarro que vem parar ocasionalmente na minha boca: cuspo ou engulo? Fico pensando nessa fixação anal que os nossos pais nos repassam de não sei quantas gerações ao nos ensinarem que o corpo é desprezível! Não acho que o corpo seja desprezível ou sujo; muito pelo contrário, sou orgulhoso do funcionamento do meu corpo, e diferentemente do que a grande maioria age, não tenho nojo do que o meu corpo fabrica. Há sim coisas que o corpo rejeita, mas mesmo assim eu não tenho nojo delas. De vez em quando eu engulo catarro sim, e daí? Tem gente que coloca tanta coisa na boca, então, por que não? Ai… tem gente que tem nojo de lavar louça, mas principalmente de lavar panelas. Pergunto: Se o que está nela são sobras do que se comeu com muito bom grado à mesa, o que faz desta algo repreensível? Ai, ai… Não entendo mesmo! [Será que eu faço questão?] Fico pensando, por causa disso, que eu não lutaria pela vida se sofresse um desastre aéreo sobre o oceano. Fico procurando motivos pelos quais lutar, mas só lembro que o aparelho está incomodando e que a caspa do cabelo está coçando - e porque morro de preguiça de lavar louça, apesar da minha mania de organização! Quer dizer, depois do banho a segunda ainda persiste? Então por que lutar pela vida diante de um desastre de avião? Talvez uma nova dissertação me salvaria; algo como relacionar os meios de produção com as respectivas representações religiosas no decorrer dos tempos. Mas e depois? Como encontrar um objetivo perene? Um objetivo perene que valha a pena… Cortar as unhas! As unhas crescem depois de cortadas - seria um exercício de paciência esperar pelas unhas crescerem para depois cortá-las de novo. Não… seria como um inferno pessoal [se eu acreditasse em inferno], como cortar a grama do Maracanã com um alicate de unha: quero um objetivo, não um castigo! Vou comprar o DVD da Bethânia! Procuro um objetivo amanhã… Afinal de contas, minhas unhas já estão suficientemente aparadas.

3.10.06

Velha Infância

Olha o que a Lu me mandou!
Lembrei da época do meu Nintendo [que Deus o tenha]...
Vale a pena ver até o final.
Quem jogou Super Mario Bros vai ficar de bobs!

Eu não sou suficiente!

Eu não precisei fazer nada para ser amado, assim como nada precisaram fazer os que amo e me cercam - eles apenas “são”, e isso é suficiente. O melhor de mim é o fato de eu não ser nada além do que eu simplesmente sou, e maravilhoso é o fato de “ser”, ser suficiente para ser amado, e amar. “Ser” é acreditar – e acreditar, sorrindo! Ou chorando, talvez, mas não porque se está triste (há beleza demais na vida), mas porque sinto felicidade! Pai, mãe, Lu, graças à Deus eu lhes dou o devido valor enquanto estamos ao alcance uns dos outros! Amo... não, eu não amo vocês... o que sinto por vós ainda não tem nome!


Laços de Família

Tocava Marisa Monte naquela noite de frio típico, em Turim. O cheiro de costela cozinhando invadia o quarto, pairando como perfume forte de inverno, tornava cada vez mais peculiar a cena do filho deitado no chão em posição complexa – quase uma ásana!, segurando uma chave-alen, enquanto seu pai escolhia minuciosamente, com raciocínio matemático, o parafuso que se adequaria à fenda, com precisão curúrgica: aquele monte amorfo de metais se tornaria, em minutos, um beliche. A mulher trazia um copo de cerveja para seu marido e a filha mantinha-se absorta à cena familiar, concentrada em fechar o velcro da jaqueta, e a observar as orquídeas na tela do seu computador. Todo o apartamento 14 do Corso Vitorio Emamuelle vibrava com energia bucólica, não pela familiaridade da imitação do Brasil, mas pela família que se unia pacífica e sagradamente no quarto dos filhos, naquela noite profana em que deixaram de reunir-se no salão do reino, para reunirem as peças do beliche.

Sim, estava frio lá fora – Ceres não mais aguentava de saudades de Perséfone!, mas o calor dos corações daquela família era suficiente para escaldar todo o apartamento. Ouso dizer que seria capaz de adiar todo o inverno! Materna como convém a uma fêmea, a mulher desdobrava-se, ora na cozinha, procurando pelo ponto certo da costela, ora no volume e temperatura ideais da cerveja servida ao marido que bebia pseudo-displicentemente enquanto juntava as peças a serem parafusadas pelo filho - como quem unia não tubos de metal, mas como quem metaforizava em cada um dos quatro pilares beliche, um membro da sua familia que dependia da sua força para manterem-se unidos; o filho, por sua vez, grave, fazia da sua missão de apertar os parafusos, não apenas parte do que seria, em minutos, um beliche, mas na tarefa mais precisa e complexa do mundo, que era aplaudida com aleluias, entre cliques distraídos de mouse – ambos reverberantes, a cada junta que não mais se soltaria: era o retrato de uma família feliz. A paz fora restabelecida em comunhão, na partilha da montagem do beliche.

A Arca da Aliaça fora consagrada: nada parecia poder desatar os nós daqueles laços de família. Marisa ainda cantava, mas o cenário agora era a cozinha, conde mesmos pilares equilibravam suavemente, em volta da mesa, uma felicidade efêmera, estontiante como o cheiro da costela cozida. O bezerro fora sacrificado em prol da glória daquela família, que era a mesma de sempre, consumando à mesa, em santa ceia, aquela paz que, de tão inesperada, chegava a doer. Doer de felicidade. E como num milagre, cada membro daquela família repetia, ritualisticamente, cada passo de todos os dia, mas hoje, especialmente, inspirados pelo regozijo da montagem do beliche, nada era esdruchulo, então o filho comia manejando os talheres com calma e cuidado, levando a carne suavemente ate sua boca, mordendo a ponta do garfo e lambendo os lábios enquanto preparava outra e outra e outra garfada; a filha segurava os ossos da costela com as maos e mordia fortemente a carne suculenta, ininterruptamente, até que o caldo grosso escorresse pelos cantos da boca; o pai orgulhoso, de peito estufado, sorvendo a cerveja e comendo o jantar que a sua esposa, ha quase vinte e cinco anos, sagradamente cozinhava, na sua funçao prazerosa de prover, dava graças por todos estarem juntos e compartilhando.

1.10.06

Bliss

Num quarto de hospital uma senhora espera pelo beijo da morte, mas não se sabe sequer se a nossa senhora quer jogar com a morte, enfim. Enquanto isso, do outro lado estamos nós ansiando por uma casa maior – uma morta não precisa de casa, argumentaram alguns, mas nós sim, completaram. De volta ao hospital, sabemos que a senhora é deixada para refletir e comungar com seus cistos – ou seus cistos que querem se reconciliar com ela. Talvez até tenham se tornado companheiros, afinal, já que fazem-se, agora, mútua companhia. Sós, uns com a outra. Nenhum dos filhos está por perto. Apenas os cistos estão por perto… muito perto, diga-se de passagem. E a gente contando os dias, contando os suspiros… acompanhando cada segundo junto do relógio – afinal, queremos a casa! Então a senhora se vai e o apartamento fica vago: a apartir daí a euforia não é mais apenas dos recém-promovidos condôminos; é também da prole que agora decidirá sobre o que será objeto de espólio e o que será deixado na casa, para a sorte.

Depois do vilipêndio, ficaram os óculos grossos sobre um cesto de linhas e agulhas, dois travesseiros e um terço. As palmas abençoadas em procissão também ficaram, mas nenhuma dessas sobreviverá a uma nova peneiração, agora promovida pelos posseiros, também conhecidos como, simplesmente, recém-promovidos a condôminos. As palmas sairão das paredes, o crucifixo foi para o lixo, e os óculos nao terão um parente que os guardará como relíquia sentimental, porque não tinha valor para o espólio. Toda uma vida reduzida a marcas de quadros na parede, e a um amontoado de pregos retirados dela, mas que agora jazem no chão – como a velha senhora recém-promovida à vida eterna. Deus, que o Senior me permita ter por perto, uma mão amiga segurando a minha na hora de eu partir. Amém.

Como era?

Depois de hibernar, escrevo do apartamento do tio Geraldo, em Torino, sobre o show da Marisa Monte em Milano e tento exaustivamente lembrar de uma palavra. Não é simplesmente uma palavra – é um adjetivo. Houve um momento em que, quebrando um silêncio teatral, um fã chama a Marisa de alguma coisa forte, mas que não é empregada freqüentemente, então toda a gente achou graça e a Marisa também deu sua repentina, uníssona e grave risadinha. Mas eu não me lembro agora da palavra... como era?

Eis o meu trecho favorito do show, em termos de performance... "Carnalismo" ficou linda, mas o palco deixa de aparecer, pra ela dar o show...




Como parte dos preparativos pro show eu procurava pelo tracking list, a fim de colocar as músicas do repertório no meu MP3 Player, mas não achava nada. Lembro-me, sim, de ter visto a lista das músicas numa comunidade da Marisa no Orkut, mas não mais encontrei. Tudo o que eu sabia do tracking list era que reunia músicas antigas como “Maria de Verdade”, “Alta Noite” e “Segue o Seco”, mas focando o espetáculo no Tribalistas e mais incisivamente nos dois novos e simultaneos albuns: “Universo ao Meu Redor” e “Infinito Particular”, numa tour chamada “Infinito Particular”. Enfim: cheguei sem saber o que esperar do tracking list.

O Teatro Esmeraldo – apesar de vermelho, era bem pequeno e, por isto, achei que o espetáculo seria reduzido a um pocket, que, aliado ao fato de eu não saber quase nada sobre as músicas do show, fez com que a minha surpresa fosse mais saborosa a cada canção. A cada acorde de uma nova música eu apertava a perna esquerda do Juninho – sempre ao meu lado, e me derretia ao dizer o nome dela, até então, apenas suposta para mim, mas completamente desconhecida para ele, cru que era em assuntos Marisa-Monteanos e que não se permitia ouvir nada que não fosse Madonna, Kylie Monogue e um monte de outras músicas filhas-únicas de cantores-de-uma-música-só, que entre outros quesitos intrínsecos somente para ele, tinha também que horrorizar, de alguma forma, a sua mãe. Mas até ele se rendeu à Marisa, enfim... Já eu me surpreendi porque pensei em um pocket, mas vi um espetáculo de tecnologia, criatividade, simpatia e principalmente, sensibilidade. Mas e a palavra, como era?

Eu fui pro show com essa música na cabeça, então, era de se esperar que fosse, no geral, minha favorita da noite: "Meu Canário".



Como seguidor da Marisa, claro que eu digo que senti falta de umas 70 músicas, pelo menos – mas não ousava tirar uma que fosse. Sim, fiquei surpreso quando ela cantou “Pernambucobucolismo”, mas como era de se esperar, até as descaminahdas se tornam preciosasas quando as ouvimos ao vivo. Tive síncopes psicóticas quando ela cantou “Dança da Solidão”, “Não Vá Embora”, Carnalismo”. O meu momento favorito foi em “Meu Canário”, que, além de ser a minha atual favorita música, contou com a participação de uma gaiola ecologicamente correta: uma graça! Também foi uma delícia ouvir os italianos (maioria no show, diga-se de passagem), com seu sotaque característico, ecoarem na saída do espetáculo, os versos: “Tô te querendo...”


Sei que depois deste show posso me dizer, em partes, realizado, porque estive na presença da santíssima trindade: Madonna, Bethânia e Marisa. Preferi não tentar foto com a Marisa, depois do show, como estratégia para manter o mito. Claro que não seria tão fácil conseguir fazer a foto – penso, inclusive, que foi providencial o último trem para Torino, antes das 5h30 da manhã, ser às 0h30, e termos que correr para apanhá-lo. E não seria apenas a foto.... seria polido dizer alguma coisa para ela! Mas o que eu diria para a Marisa se estivesse diante dela? Apesar de... como era mesmo? Do que foi que o cara a chamou? Sim! Isso! Ele gritou: “absurda!”, e todos riram. Mas ao contrário do que disse o cara na platéia, eu não diria que ela era absurda – não diante dela.... diante dela eu teria que escolher melhor as palavras, e além do mais, eu estava preparado psicologicamente pra vê-la cantando, apenas. Eu não saberia o que dizer para a Marisa Monte, que não é apenas uma cantorinha qualquer... ela equivale ao Espírito Santo, na minha trindade! Não é medo de sofrer – que isso fique muito claro! O problema é que eu teria que ficar outras horas pensando no adjetivo certo.... qual seria mesmo?

Humor


; um, nu, só, dor, fim.

Morto, ímpar, ilha feio, órfão, mudo, seco, qualquer, nada.

Esquerdo, errado, solteiro, saída, mórbido, vazio.

Monossílado, estrangeiro, dissociado, imperfeito, incompleto:

Sorte rima com morte!