15.11.06

As Aspas

Eu falo de aspas como falo de deuses. Deuses gregos, com seus humores, seus gostos, o deleite pelo xadrez – os bons e velhos arquétipos humanos dispostos como em um bufet; mas também falo deles a esmo, como fala da visão um cego que nascera cego: eu apenas os idolatro. Eu os idolatro como à relíquias pasteurizadas que me chegam como são, e por pura preguiça de pensar no que me atrai nessas aspas, eu finjo que não me interessam como serão. Em fato, tudo que quero delas é que me sirvam quando eu quiser fugir de mim. Neste sentido eu creio que elas apenas desempenham uma fugaz função que delas e apenas delas dependa a sujeição da sua fugacidade. E por causa das aspas, hoje eu percebo que eu sinto falta de mitos. Não que eu não me satisfaça com os que eu acompanho – ou cultuo, sei lá... mas sinto pena por não acrescer ao meu panteão, novos mitos a serem repousados nos recém-abertos altares do meu confuso relicário.

A fugacidade se dá num átimo que não mais é apenas a velocidade da luz: chamo-a agora, de produtos-holofote. Explico: Tantos seres envoltos em aspas povoam os meios de comunicação que só consigo pensar que estamos no auge da colheita de pseudo-artistas que não ficam tempo suficiente para aquecer o canhão que conduz o holofote que os ilumina – ou, mais especificamente, dois produtos-holofote. Cantores de uma música só, atores de uma cena só, amantes de um beijo só... a banalização do secreto me soa como se tudo fosse natural demais, fácil demais. E por conta disso, perdoa-se demais, come-se demais, erra-se demais; chora-se demais, reergue-se demais... e tudo pelo suposto direito de criar uma experiência de vida que deveria vir em troca da satisfação de uma profusão de egos que exigem que o tempo mundano seja o tempo dos seus próprios relógios biológicos! Por este excesso de charme e, claro, pelo meu próprio processo parcial de inquisição eu culpo a Internet – sim, faço uso da minha licença para julgar, mesmo não sendo o Deus. Porque também se banalizou o julgamento feito pelas pessoas! E pronto. Não me neutralizo ao errar dizendo que erra-se demais, claro: seria muito fácil. Ou dificil, não sei... escrevo tão indiferentemente que nem sinto prazer ou culpa: sou neutro quando digo que culpo a Internet pela democratização do ordinário e pelos produtos-holofote quem nem chegam a empoirar no meu relicário. E me lembro que temos tanta gente ruim, ou, na melhor das hipóteses, mediana, que padronizou-se a espera pelo normal. E o normal não é ruim, mas é comum – por isso não temos mais mitos, em vez de aspas! Novas aspas vêm e vão com tanta rapidez que eu não tenho mais tempo de me apegar a elas; novos atores aparecem nos filmes que eu não posso ver, e deles não saem... e entao fico sem vê-los! Novos cantantes surgem do nada e para o nada voltam sem eu saber sequer seus nomes! Há tantos blogges como este na Internet que eu não posso ser justo dizendo que sejam bons ou ruins, porque o próximo sempre pode me seduzir mais que o anterior... Sinto falta de laços! Sinto falta de mitos! Sinto falta de convexão e reconvexão. E o meu egoísmo insiste em dizer que, porque assim eu quero, que a Internet seja culpada pela difusão e pela dinamicidade da divulgação das informações, que, por conseqüência, da apresentação de mais opções e liberdade de escolha. Por um lado isso tudo é bom, mas o ruim disso tudo é que os mediocres parecem conhecer mais de informática, e por isso mostram a sua ordinariedade para o universo, infectando o menu com tantas aspas... E então eu me pergunto: A Internet matou os mitos ou vulgarizou o glamour? Ou eu que estou ficando velho?

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