20.12.07

Almoço de Domingo




Traz o gin pro quarto – eu disse, já correndo pra o computador, no intuito de não perder a idéia. A Inspiração está escassa esses dias e eu não posso me dar o luxo de perdê-la.
O copo ainda está cheio de champagne. Eu lavava a louca mesmo ainda bebendo-a – sempre com a intenção de não perder a idéia, mas não ser impetuoso – e rude, deixando a louca do almoço sem ser lavada. Foi uma sopa confraternizada: eu picava vegetais, a Lu picava vegetais. Foi uma festa regada a gin e a faca. Rimos e comemos – sempre no bom estilo dos Cardosos.
Bebemos o gin e mudamos para as taças de champagne. Demo-nos o luxo de beber champagne sorvendo sopa de couve-de-bruxelas e alho-poró – vegetais de inverno. (Eu ainda me pego em situações puramente cotidianas que eu ainda não absorvi. Tem horas em que eu não acredito, ainda - mesmo com todas as dificuldades - que eu meio que não acredito que eu estou aqui.)
Luís Miguel ao fundo. A Lu comparando-o ao vinho. Suas unhas vermelhas contrastando com o amarelo do líquido que já não era champagne, mas algo outro que continha suco de laranja. (Ficou bom!) Isso me faz lembrar que eu gosto de mudanças, mas que também sou pisciano – apenas um dos meus muitos conflitos, eu sei.





Cartinha de Natal

Reading, 12 de dezembro de 2007.
Meia-noite e cinqüenta e três.
-8º C.

Oi, Papai e Mamãe.
Tudo GGSS?

Pois, é: o ano tá no finalzinho e dá um aperto não estar aí com vocês.
Na nossa última conversa meu pai me perguntou quando eu voltava e eu respondi que não sabia. E é bem verdade isso: não sei mesmo quando volto. Não é algo que eu possa planejar com certeza porque eu não sei ainda o caminho pelo qual eu vou seguir na vida. Eu adianto dizendo que eu amo as coisas que existem aqui e que se houvesse a possibilidade de, em vez de eu voltar, eu poder trazer vocês todos pra cá, eu não pensaria duas vezes e traria todos vocês pra Inglaterra, pra a gente ficar pertinho. Mas não tem jeito, infelizmente. Não posso responder pela Lu, mas no que me diz respeito, é bem isso mesmo.
Mas deixa baixo: esse pacotinho é pra celebrar o natal e o ano novo com vocês. Esperamos que vocês gostem dos presentinhos e das bobagens que mandamos. E ah, já vou dizendo que a cartinha deve ter muitos erros de acentuação e de digitação, e peço que não reparem – justo eu que sou tão metódico com o Português... mas é que era pra eu ter enviado a caixa hoje cedo, mas ia ficar muito, mas muito sem graça mandar a caixa e nem uma palavrinha. Isso quer dizer que eu me propus a escrever pra vocês agora de noite, depois do trabalho (acabei de tomar um banho e já estou enrolado no edredom), e no escuro – sim, porque eu chego e a Lu geralmente já está dormindo e vocês sabem o quanto ela é rabugenta quando ela quer ser... então melhor não acordar a fera. J
Muito engraçado pensar em como a minha vida mudou nesses praticamente dois anos... não vou dizer que esteja mais maduro, mas algo muito – e eu não sei dizer se é pra melhor ou pra pior: simplesmente mudou. Estou lutando contra o meu já velho conhecido comodismo e as barreiras culturais pra me encaixar na sociedade Inglesa. E pensando bem, acho que é por isso que eu não penso em ir embora por agora – não antes de domar esse lugar e dizer que eu me encaixei aqui.
Sabem, pai e mãe, cultura é um conceito muito, mas muito amplo de se explicar e vocês sabem muito bem o que significa isso – por exemplo, as diferenças entre os ambientes das casas, por exemplo, da Fatinha e da Maria Cláudia, ou da Vó Tatá e da Vó Zefa. Nenhuma delas é melhor ou pior – são apenas diferentes, e a simples maneira como a gente muda pra se adaptar ao ritmo de cada uma dessas casas dá uma breve idéia de como eu tenho que me portar aqui. A diferença é que em cada uma dessas casas eu me sinto feliz despretensiosamente, mas aqui eu não tenho a tranqüilidade ou a confiança de que quem está ao meu redor quer o meu bem.
Esses dias eu estava pensando em como a minha vida tinha mudado e eu fiquei horrorizado ao perceber que eu não me lembrava mais de coisas tão minhas, como por exemplo, de como eu me senti quando passei no vestibular, ou quando eu fui receber o prêmio do concurso de monografias na faculdade. É normal perder essas lembranças quando se está recomeçando? Será que eu vou sentir essas mesmas sensações quando eu atingir algo semelhante aqui? – não, claro que não: vai ser diferente. Não acredito em recriar situações. Esses dias mesmo – no último dia em que eu falei com vocês pela Net, o João estava a trabalhar e a Lu estava em Londres. Era um dia em que eu não trabalhava e eu acordei tarde, faxinei a casa e depois eu fui a um restaurante e pedi um Spaguetti Carbonara pra jantar – ou era um misto de almoço com janta porque era a primeira coisa que eu comia aquele dia, já lá pelas 4 da tarde. Eu queria relembrar de como eu me senti em Roma fazendo, pela primeira vez, aquela refeição (até a sobremesa eu pedi a mesma: Tiramisù), só que não funcionou. Virou outra coisa que não era Roma. Foi bom, mas teria sido melhor se eu não tivesse tentado recriar uma lembrança. Deu errado do mesmo jeito que ficou o Pesto que eu tentei fazer aí com manjericão e parmesão... Lermbram daquela coisa verde que eu fiz pra colocar no macarrão? Pois é... fiquei traumatizado não porque não deu certo, mas porque não tinha gosto de Itália... o gosto da minha experiência longe de casa.
Eu ainda sei que não vai ser a mesma coisa, mas ao menos o gosto vai ser melhor dessa vez: reparem que tem um vidrinho com um troço verde dentro – esse é o Pesto do qual eu tanto falava. E agora o paladar – ao menos, vai ser o mesmo. Outra coisa que eu mando é um vidro com Molho doce de Pimenta (aqui chamamos de “Sweet Chili”) – eu e a Lu achamos que meu pai – o pimenteiro da casa, vai adorar. Você também vai gostar, mãe: não é forte não. Só que tem uma coisa: se vocês abrirem a caixa e o molho não estiver dentro é porque eu ainda não tenho certeza de que vai ser seguro mandar vidro pelo correio – vocês entendem o medo de fazer lambança e sujar os presentinhos que estão indo na caixinha.
Quanto aos presentinhos, só pra não dizer que não mandamos dinheiro pra vocês, tem um monte de moedas de chocolate fazendo volume. Achei muito fofo e penso que vocês concordariam. Outra coisa é uma caixinha com DVDs dentro (mãe, ainda fico te devendo “Os Maias”!). Gravei uns filmes que mexeram muito comigo (“O Que Terá Acontecido a Baby Jane?”, “Gata em Teto de Zinco Quente”, “Um Corpo que Cai” e “A Malvada” – sem ordem especifica) – e, claro, todos com legenda em português. E já falo uma coisa antes que vocês julguem os filmes pelos títulos (várias coisas, aliás): 1 – eu os vi todos e, conhecendo vocês, eu sei que vão gostar; 2 – não julguem o livro pela capa (lembra, mãe, que você não ia com a cara do “Tomates Verdes Fritos” por causa do nome?), 3 – São filmes clássicos que fizeram história e que eu sempre quis assistir; e, finalmente, 4 – Vocês sabem que eu vou perguntar se vocês gostaram, então, nem que seja pra falar mal: assistam!
E quanto ao presente principal, esperamos mesmo que vocês gostem – foram escolhidos com muito carinho e tentando ser o mais próximo de algo que vocês mesmos adquiririam pra vocês. E quanto a outros presentes que eu gostaria de mandar, ficou complicado demais escolher quem ficaria de fora da lista, então ficou todo mundo. Por exemplo, como mandar presente pra tia Dina sem mandar pra tia Marcela? E como mandar presente pra tia Marcela sem mandar um pro tio Antônio? Como mandar presente pra Vó Zefa sem mandar pra Vó Tatá? E a tia Rita?! Eu queria mandar pra Maria Cláudia, mas aí ficavam o Théo e o Léo de fora! Sem contar os amigos: Marcelo, Élida, Flávio, Glayson, Léo... Que triste! Aliás, triste nada: adoro saber que tenho pessoas a quem amo tanto, e em tanta abundância... e fico triste de novo lembrando o quanto eu estou longe de todos vocês. (Tô ficando deprimido...)
Enfim, hoje já é dia 12 e não sei se vocês receberão o pacote antes do natal (tenho quase certeza de que não, mas vale a intenção... – eu acho!) Bem, o natal não vai ser o mesmo pra mim aqui sem vocês por perto – sem a tradicional comemoração no terraço de casa, com os amigos em volta. Eu não comemoro o Natal segundo a mitologia cristã, mas fico feliz em saber que, mesmo esquecida, a data ainda tem o tradicional poder de unir as pessoas que passam o ano todo meio que distantes – bem, quase todas, já que eu ainda vou estar longe e sem poder abraçar... mas ao menos temos a Internet pra fazer de conta que a distancia não é tão grande quanto ela realmente é. E, também, graças ao Microsoft Word que facilita tanto a minha vida e faz acreditar que uma cartinha com apenas 3 folhinhas é pequenininha, e me faz ficar com vontade de ir escrevendo, escrevendo, escrevendo... queria que a cartinha fosse infinita só pra eu imaginar que vocês estão segurando por mais tempo o papel que eu abracei e beijei, fazendo de conta que eu abraçava e beijava vocês dois. E também pra saber que o meu beijinho não foi apenas pela tela do computador, mas que ele chegou de verdade ate vocês – mesmo que num papelzinho (três, na verdade) e na forma de uma cartinha que era inicialmente apenas um cartãozinho de natal...

Beijos, Papai e Mamãe!

Mandem beijos e abraços a todos (não vou enumerar porque eu ia usar mais não sei quantas outras paginas cheias só de nomes....), fiquem bem e que não apenas o natal e festa de virada ou mesmo o ano novo, mas que as nossas vidas sejam muito, mas muito movimentadas – pra a gente sentir cada minuto dela, pra não nos arrependermos de não ter passado por isso ou aquilo, no fim da vida (que ninguém sabe quando vai ser...).

AMO VOCÊS!