22.12.06

Quem tem Medo de Virginia Woolf?

O Léo Heggendorn chegou a Governador Valadares: foi uma festa! Hummm... pelo grau da nossa amizade, eu e o Léo nunca fomos capazes de encerrar qualquer assunto! Havia sempre um gancho mínimo capaz de recomeçar toda a revisão de um tema absurdamente etéreo – algo que, na prática, poderia se resumir num olhar ou num trejeito, ou no acompanhar do vôo de uma mosca; uma coisa tão mínima para os não-iniciados, mas que pode ser destilada e saboreada com o mesmo frescor e a polpa genuína da novidade por horas e horas, e nunca se acabar: assim somos eu e Léo. Acontece que não nos vemos há meses e mesmo sabendo da nossa incapacidade para finalizar, nos demos ao luxo de atribuirmos uma gravidade sóbria e mansa à tentativa de condensar meses e meses de ausência física, conversando. E pronto! Começamos como se ontem mesmo tivéssemos visto um ao outro, e, como era tudo tão espontâneo, reassumimos a velha prática de sairmos aos sábados para continuar a rir, e rir, e rir, e gozar da companhia um do outro, como convém àqueles que matam a família e vão ao cinema...

Enfim, depois de rodar e rodar e rodar, estávamos num bar e conhecidos vinham cumprimentar, e era comum me perguntarem pelo Exu quando me cumprimentavam. Sempre soube que não seria de uma hora pra outra que as pessoas nos desvinculariam, mas a gota d’água pingou quando uma amiga me pediu o número do celular e colocou o nome do Exu entre parênteses, ao lado do meu nome, pra eu ser mais facilmente identificado. Quando vi o meu nome de novo ao lado do Exu, alguma coisa “ligou” dentro de mim e eu percebi que eu não ia mais me incomodar com o ambiente e querer ir embora depois de apenas meia hora dentro do bar. A partir daquele momento o mundo tomou cores e formas tão curiosas que eu poderia viver ali dentro. O globo de espelhos assumiu um novo significado e nele eu vi o mundo dando voltas, e voltas, e voltas, e numa das de 360 graus eu me enxergava de novo em Governador Valadares, entre pessoas que anonimamente compuseram um fundo para a minha vida, e que agora, outra vez, serviriam de plano de fundo para eu meditar. A multidão serviu para eu perceber que o Léo se destacava.... que rostos familiares e que sorriam de volta quando eu sorria faziam toda a diferença, e que, por causa do sorriso, se destacavam daquela massa homogênea de histórias. Por causa do meu sorriso eu percebi – eu e o globo de espelhos – o que eu fazia em Governador Valadares. Cada abraço naquele bar me fez perceber que eu queria sintetizar alguma coisa; que eu queria abraçar o Flávio, o Marcelo, o Léo, a Élida, o Glayson... Eu queria entrar neles todos e ficar lá dentro! Eu estava em Valadares por causa das pessoas que me são importantes e da necessidade de dizer-lhes adeus. Para mim, esse abraço seria algo parecido com o momento em que, depois de muito sofrer, o moribundo subitamente melhora e abraça, e sorri, e diz as coisas que precisa, só pra morrer quase que imediatamente: eu estou morrendo, e percebi que preciso dizer adeus aos que me são importantes. Dizer adeus aos que me são e aos que me foram importantes.

E então outra pessoa me perguntou sobre o Exu, e eu saí do transe e vi as pessoas dançando outra vez em volta do globo de espelhos. Na verdade não me perguntara se eu tinha ido sozinho ao bar, mas se ele estava bem, e se nós ainda tínhamos contato. Eu tremi de pavor e arregalei os olhos porque eu estava tão imerso na reflexão que eu tinha me esquecido que ele tinha um nome! Meu Deus, ele tem um nome! E quando eu me lembrei que ele tinha um nome, ele, automaticamente, não era mais apenas o Exu: ele voltara a ter alma! Ele voltou a ter alma e, mais que imediatamente, voltou a ter cara... e entendi que fato de nós não mais estarmos juntos não fazia de nenhum de nenhum de nós dois pessoas ruins... muito pelo contrário; eu mudei quando percebi que nós não mais dividiríamos o futuro que eu criei – sozinho – pra nós dois... ele é exatamente a mesma pessoa... Era eu que não enxergava... e eu quis dizer-lhe adeus. Mas para quê? Será que eu estava com medo de passar a acreditar que eu tinha mais culpa do que eu achei que tivesse se não pusesse um ponto final nisso tudo? Mas por quê?

Todo o futuro de universos infinitamente paralelos passou pela minha cabeça quando eu me perguntei o porquê do desejo de finalizar, e notei que eu adiava certo momento comum em todos eles porque na mesma etapa eu me via ensaiando falas, caras e bocas em diversas versões de não dizer nem falar nada. E diante da maioria dos silêncios nos quais a minha imaginação era mais que bifurcada, eu me sentia perdido como que recebendo um e-mail importante que eu não tinha coragem de abrir. Um daqueles e-mails que tememos o conteúdo. Pensei um dia hipoteticamente inteiro sobre o que poderia lá dentro estar escrito. E pra me salvar eu resumi: eu deletaria ou leria o e-mail, enfim? Vale a pena mexer no passado? É toda conciliação que tem que existir? O que o passado quer comigo? Será que é ele que quer alguma coisa comigo, gente? Ou sou eu que quero me santificar? E o globo de espelhos continuava girando, mas agora irradiando luz colorida. E todos dançavam. Menos eu. Então eu voltei a olhar pro giro vivo do globo de espelhos. Era melhor. Foi quando eu me levantei da mesa sem me despedir de ninguém e falei com o Léo: “Amanhã irei ao shopping! Sim! É isso que eu vou fazer amanhã”!

Quem vê cara não vê a experiência... não, não!

Estava eu conversando sobre a minha experiência no exterior, meio que como um avô contando histórias fantásticas aos netos, quando o Léo (Heggendorn) disse: “Londres é tudo!”, e eu respondi: “sim, eu sei... eu estive lá!”. E enquanto dizia essa frase eu percebia que não se pode ver a experiência no rosto das pessoas. O próprio Léo não parecia marcado pelas dele, por trás do sorriso espontâneo do agora. Dizem que quem vê cara não vê coração, mas não é verdade... as pessoas tocam ou não tocam a gente sim, mas a experiência é impossível de se ver: não se sabe se a pessoa unta a fôrma antes de levar o bolo ao forno, ou se gosta de sorvete derretido, ou se come as bordas da pizza antes da “própria” pizza. Eu mesmo aparento nunca ter saído de Governador Valadares... e como o Marcelo disse, tudo ficou meio que sublimado – o fato de eu nunca ter me despedido formalmente ou de não ter havido choradeira, fez parecer com que eu nunca tivesse deixado a casa dos meus pais. Era como se nada, absolutamente nada tivesse acontecido, e que o “ontem” se resumisse ao último encontro.

Tempo, tempo, tempo, tempo.

A realidade é que cada pessoa vive num tempo diferente, segundos – até minutos, distantes uma da outra. Aconteceu isso comigo esses dias: eu tinha um compromisso às 16h00; mas no meu relógio já eram 16h05, no do meu pai ainda eram 16h01, a catedral marcava 16h03 e o elevador dizia que eram 16h04 – o relógio do carro marcava 15h01, e fui recebido com um sorriso de meia-boca e um abraço simultâneo à frase: “Pontualidade britânica!” E eu odeio quando não acompanham meu tempo, meu Deus! Pra mim é como ouvir quadros sendo aranhados o tempo todo, quando alguém não sabe o que eu já sei. Pra mim, eu sou sempre pontual... chego sempre na hora em que eu devo chegar – quando não desisto de ir, na metade do caminho. Meu intervalo de sincronia é o meu próprio ponto de referência. E por que essa preocupação com o meu êxodo pessoal? Tem sempre alguém ou alguma coisa indo e vindo que eu posso me dar ao luxo de praticar estática de vez em quando – brincar de faquir!

18.12.06

GPS!

Prá onde vai tudo isso que eu entendo? Como vou saber prá onde vai se eu não sei nem oque fazer com o que eu vou entendendo? Aliás, será que eo que eu vou entendendo vai para algum lugar: eu esqueço? Eu uso? Prá que serve o que eu entendo, meu Deus? Eu me liberto entendendo? ...não, eu sei que não: a busca é eterna.

9.12.06

ASSOMBRADO!

Na madrugada, as já vastas ruas de Governador Valadares ficam ainda mais largas quando cobertas com a luz laranja das lâmpadas de mercúrio. É solitário sim, mas não dói; eu até gosto das lâmpadas de mercúrio porque elas não são tão explicitamente brancas. As lâmpadas de mercúrio desnudam a verdade, mas dão um quê de mistério e charme a ela. ...e é assim que eu gosto da verdade. E como eu dizia, as ruas vazias madrugada afora desenham sombras e eu fico brincando de adivinhar o que elas querem ser. Tenho pena dos paralelepípedos que queriam ser postes, ou do asfalto que queria ser morada. Pobres dos assombrados, porque eles não têm imaginação para sonhar.

Eu não olho para a minha sombra desde... eu não me lembro quando foi a última vez que eu olhei pra minha sombra! Estou pasmo! Tentei olhar para ela agora, mas fiquei com medo! Foi o medo puro. E esse medo me fez entender o que é medo, meu Deus! É o medo da verdade – o arquétipo do medo, meu Deus! Medo é negação, é preguiça. Medo é uma forma de recusar a verdade! Insisti: não queria fugir da verdade (ou do que eu acho que seja verdade) mas desisti rapidamente porque eu comecei a devagar e a pensar na forma com que a minha sombra queria parecer hoje. Foi aí que me espantei de surpresa: eu não sei com o que a minha sombra se parece hoje; e de tão misteriosa, ela não me dá pistas. Estou pasmo com a nossa displicência – minha e de minha sombra. Afinal, quem deixou de procurar quem? Tentei olhar de relance, mas a sombra se escondeu por detrás de outra sombra... mas tive certeza de que ela está viva porque eu acenei e ela acenou de volta. Estava ela realmente ali o tempo todo ou será que ela realmente só me procura quando eu estou diante da luz laranja? Quem é a minha sombra? Meu Deus, só agora a cidade me conta seus segredos. Somente agora que eu não mais vivo aqui e que por isso, não sou mais ameaça familiar. Não sou mais um perigo latente – alguém que pode gritar a qualquer momento e denunciar a real intenção dos objetos que as pessoas insistem em chamar de inanimados... Que lindo, meu Deus: essa é a minha vida sem mim! Num universo paralelo eu não fui, e exatamente desse jeito este “eu” está. A vida segue adiante... e sem mim! Mas será que ele tem consciência disso?

Na noite passada quando eu desliguei o carro e olhei pra minha casa, eu sorri. E ela sorriu de volta – pro meu espanto! Ela sorriu de volta porque ela não é mais minha – e ela sabia que eu já percebia isso! Minha casa também se mostrou pra mim e quis que eu a conhecesse por inteiro. Ela não tinha mais medo de mim e queria me falar tudo... absolutamente tudo, como quem está prestes a morrer. E nessa ânsia de quem ia morrer eu fiz um retrato da minha casa que é assim: Minha casa tem cheiro de não sei o que, mas é esse não sei o que me intriga: é cheiro de antítese e de contradição. E olhando para essa fotografia eu senti balaústres. Balaústres de noite, com a luz da lua refletindo no cinza dos contornos – teria eu certeza de que não seria outro poste? Não sei, mas sei que eram brilhantes olhos úmidos... eu podia sentir o sal desses olhos, meu Deus! Daí o portão rangeu e eu subi pelos degraus de ardósia porcamente recortados, sem me apoiar no corrimão. Abri a porta. Foi aí que eu senti o cheiro da minha casa, seu buquê – sua real identidade... cheiro de 20 anos, cheiro de saudade. O silêncio nessa casa é pulsante como um coração sadio – por isso a casa é morna. Eu me perco em casa! Por conta dessa fotografia eu percebi o jogo confuso de portas na casa... Que acessibilidade! Será por causa das portas que a casa é tão acolhedora? As portas são a continuidade, meu Deus! As portas são a anti-rotina! Estou realmente intrigado: vivi vinte anos da minha vida nesta casa e percebi que não sei quantas placas de ardósia temos no chão! Estou boquiaberto: a casa é viva! Ela é viva e fala comigo...e eu entendo! Que maravilhosa simbiose, meu Deus! Estamos todos vivos: eu, você e a casa. Sim, porque alma existe independente de alguém lá a colocar. A alma escolhe o corpo. E agora eu quero a alma de cada paralelepípedo da cidade. (Quero mesmo?)

Eu vejo tudo de um ângulo diferente agora – está tudo transversal, meu Deus! O sentido de tudo me escapa depois de alguns segundos e eu fico com essa cara abobada de quem sabe, mas não pode falar. Cara de segredo! Essa repentina crise de sinceridade da cidade me fez perceber que, apesar de a mesma, ela não é mais minha. Sim, porque ela me revelou seu segredo, meu Deus! Nela estão as mesmas pessoas com os mesmos problemas. Até eu descobri o meu mesmo aqui na cidade e – pasmo, me acostumei. Eu me acostumei, mas não quero a facilidade de me repetir. Meu Deus, como é fácil me repetir! Digo, eu me repito todos os dias, mas tem algo de sórdido nessa repetição... e eu me sinto sujo. Excitantemente sujo, quer dizer. Culpa... a culpa é como um vinho seco... seco e tinto... que me enche a boca docemente, mas se revela forte na língua e desce esôfago abaixo deixando o rastro do calor. Com ele eu viajo dimensões afora, infinitamente: vivo vidas, tenho idéias, arquiteto planos, embebedo-me de possibilidades... e gozo palavras!

3.12.06

Pergunta Retórica #2:

(Foi) A semiótica (que) acabou com a minha vida?

It's an illusion - I dont't care!

Estava sentado em frente ao meu portão de embarque, em Madri. Olhava para tudo e para todos, e realizei que brasileiro tem cara de brasileiro (ou era eu com saudades de casa?) Fiquei intrigado com o fato de que numa multidão eu não os apontaria como brasileiros, mas que ficava tudo tão óbvio lá na fila de espera para o vôo que eu me joguei num daqueles momentos em que se pensa tão profundamente que não se chega a conclusão nenhuma. Tentava voltar prá leitura da Clarice, mas uma figura me chamou atenção por, entre outras coisas, a altura do som que escapava dos seus fones de ouvido: ele ouvia American Life, da Madonna. Pensei comigo: “deve ser uma no meio de outras músicas”, afinal, depois que eu ouvi DISCO SCIENCE do Mirwais, eu também virei fã. Mas acontece que depois de American Life começou Nothing Fails, e então eu tive certeza da minha suspeita: tratava-se sim, de um fã da Madonna!
Passei a observá-lo melhor e notei as tatoos em ambos os braços, e por causa de uma delas, percebi que também era fã da Björk e que eu poderia puxar assunto com ele, porque, além de tudo, iria no mesmo vôo para o Brasil. Eram tantas coincidências que fui tomado por um sentimento de patriotismo tão forte, um carinho, uma carência, uma vontade de contar minha vida e de ouvir a vida dele também. Queria saber o que ele fazia ali e preparei-me psicologicamente pra conversar. Às vezes a gente se entreolhava, mas a impressão que eu tinha é a de que ele não estava aberto pra compartilhar qualquer coisa. Seria muito fácil: era só perguntar se ele gostava de Madonna e provavelmente um átimo de comunicação poderia ser fiado. Cheguei a abrir a boca e a virar o rosto em sua direção, mas pensei que, em vez de começar uma conversa, a frase poderia ficar suspensa por vários motivos – entre eles o som alto poderia não permitir que eu fosse ouvido, ou, na pior das hipóteses, ele poderia dizer sim e ficar por isso mesmo.... e apenas nisso! Olhava para as pessoas do lado e via que cada uma se mantinha no mesmo anonimato latente, como quem estivesse meio louco pra ser interpelado por um do rebanho, e meio repudiando a volta para ele: era a dicotomia na sua forma mais pura! Não tive coragem de perguntar sequer se ele curtia Madonna, mas ainda não tinha desistido de iniciar uma conversa: liguei o meu MP3 Player e coloquei a Confessions Tour pra ver se fazia o mesmo efeito, mas não deu. Enquanto me perguntava o porquê de não simplesmente falar com ele naturalmente, como se fosse algo completamente impessoal, lembrei que eu era tímido. Engraçado, mas eu tinha me esquecido que era tímido! "Meu Deus, eu sou tímido ou eu fico tímido com a possibilidade de voltar prá onde eu vim?" Fiquei besta porque eu não agia nada timidamente na Europa. Por que será? Tem algo a ver com o fato de eu estar sozinho? Com o fato de lá eu depender só de im? Será que ocomodismo me deixa tímido? Ou tenho vergonha de ser acomodado? Sim... a lembrança do meu comodismo me tomava como toma o calafrio da pressão baixando. Tomei novo fôlego e voltei a pensar profundamente - o que significa não pensar em nada muito específico... Fiquei tão intrigado com a (re)descoberta da minha timidez que acabei desistindo de tentar me envolver com o rebanho e me resignei ouvindo Madonna, que me perguntava: “do you belive that I can make you feel better?” Baixei a cabeça e falei em voz alta, blançando a cabeça: “Não!” Afinal de contas, em que mais as nossas vidas poderiam ser intercaladas?