28.11.06

Brasil!

"Ora pro nobis" com costelinha de porco, frango com batata-barôa, frango com quiabo; Marcelo, Flávio, Léo Heggendorn, Cida, Roo, Glayson; papai e mamãe: quero faixa quando chegar em Valadares! Faixa e um ventilador...

Passando Roupas...

Eu lavava as roupas, mas fazia disso não apenas um ritual de limpeza – já tão adorado pelos "anais" do ato de centrifugação a antecipação do prazer único de passar as roupas. Sim, passar roupas. Cada um de nós guarda dentro de si um prazer soberbo, mas latente e completamente dispensável. Não... são vários assim, que quando executados são, naquele momento, a coisa mais deliciosa do mundo... até que venha outra e assuma o posto. Mas, enfim, as roupas brancas e sintéticas estavam lavadas e depois de colocadas para secar, próximas ao sifão, já estavam quase no ponto de passar. Eu me antecipei, eu sei, mas o vapor seco do contato quente do ferro com as roupas semi-úmidas terminariam o que o sol da Europa já não tem, mas que eu tenho de sobra.
Passava as roupas com a mesma ânsia do primeiro beijo – não o primeiro beijo do que eu posso chamar de maturidade (amplo isso, não?), mas o primeiro beijo mesmo, aquele que é apenas copiado das novelas ou dos casais ao redor: eu tinha 5 anos. Enquanto passava as mangas da minha camisa salmão, lembrei da Solange, que era a minha vizinha na época, e, com quem, claro, eu brincava sempre junto. Lembro do seu sorriso maroto e banguela, típico das crianças da nossa idade, mas o dela era quase que uma tatuagem: não saia nunca do rosto e chegava até a comprometer a compreensao da sua fala – acho que na dúvida entre sorrir e falar, ela fazia os dois. Ela tinha cabelos castanhos e encaracolados. Sempre usava regatas. Penso que tinha algumas sardas também. Meu primeiro beijo foi com a Solange. Lembro do seu irmão – nem sei se mais velho, ou se mais novo, trazendo sua mamadeira – sempre pela metade, com leite e café para brincar junto de nós dois. Passava o colarinho e de repente eu e Solange éramos os pais do seu irmão, que já vinha com mamadeira e tudo! Apenas nossos lábios se tocavam – se tínhamos noção da língua dentro da boca não sabiamos mesmo, mas de qualquer forma seria anti-higiênico para os nossos padrões infantis de perversidade, entao éramos apenas pais ingênuos como crianças que éramos. Até que cheguei ao bolso da camisa: acho tão complicado passar as costas do bolso! É quando a brincadeira deixa de ser prazeroza e a tensão por fazer um bom trabalho toma conta de mim, perfeccionista que sou. Solange e eu nos beijamos umas vezes, não sei quantas, até que meu pai desaterrou o nosso quintal e com ele foram-se a goiabeira e o balanço... nunca mais sentiria aquele frio, ou borboletas, se preferir, no estômago. As mudinhas verdes de alface sendo consumidas pela terra preta me cortavam o coração, talvez porque não era eu quem as destruia... ao menos eu tinha prazer em roubar as sementes de gerânio da minha mãe, jogá-las sobre a terra preta em volta da goiabeira com o balanço e depois pisá-los quando despontavam do chão. Era medo da minha mãe, eu sei. Medo de mostar do que eu era capaz, de desabrochar... mas era também o simples prazer de fazer as coisas escondido e não ser pego. A terra era toda jogada fora e eu não mais me interessava pela Solange – era como se os gerânios florescessem no na minha boca. Sempre que termino de passar a roupa eu a olho novamente para ver se um vinco me escapou, ou se algo doubrou-se depois que foi pro cabide, mas se acho, finjo que não vejo - perco o interesse depois de feito. Lembro-me de atirar lascas de terra compacta na direção da Solange e de seu irmão, mas estaria eu afastando-os porque tinha medo de que gostassem mais do balanço do que de mim? Será que desde girino eu já tinha medo de não ser suficiente?

Semente

Sua jugular pulsava aceleradamente – a pressão estava nas alturas. Era sempre assim quando se contrariava... O ar pesado não era medido pela abstinência de palavras, mas pela profusão das que acabara de proferir à sua filha. O ar pesado quase cegava-o e pelo olhar fixo e seu rosto cabisbaixo, via-se que o quase já era um quase tudo. Pensou em repetir as duras palavras por uma terceira ou quarta vez, mas achou que, por hora seu silêncio era suficiente, e piscou, engolindo saliva. Mordeu os lábios e pensou em voz alta, mas assim como desordenadamente pensou, balbuciou um amontoado atonal de murmúrios, que terminou com um suspiro profundo. Pela primeira vez colocava a mão por entre os cabelos crespos, apoiando-se pelo cotovelo, na parede e fechava os olhos. Quis chorar uma lágrima, mas decidira, com certeza de provedor, de mastro que era, fingir que coçava os olhos enquanto levantava as sobrancelhas fartas e chupava os dentes em sinal de protesto só porque sabia que sua filha não gostava, e como sempre, fazia quando podia, não porque se esquecia, mas porque sabia que a filha não gostava. Sempre esperava uma resposta. Ensaiava sozinho diante do espelho a contra-resposta que daria a sua filha, sempre muito astuta, quando lhe colocasse contra a parede. "Se fosse na época do meu pai, você levaria uma surra", praguejou, mas não pelo agora, e sim pela lembrança de como era astuta e sempre tinha uma resposta na ponta da lingua, aquela sua filha tão eloqüente. "Eloqüente até demais", pensou... ou disse? por um instante não soube se pronunciara ou se falara a última sentença – mas pouco importava porque a mocidade de hoje também lhe fazia evolir. Sempre achou que se evoluia com os tempos, na medida em que pudesse evoluir; afinal, que culpa tinha o metal na terra, que o homem ainda não o havia encontrado? - pensava. Sentou-se. Balançava as pernas neuroticamente. Levantou-se assim que percebeu – não queria demonstrar nenhum sinal de fraqueza. "Não" – pensou, mais uma vez sem saber se falara ou se apenas pensara, mas só para ter certeza, repetiu e fez questão de ouvir cada uma das três letras: n-ã-o. Neste ponto franziu a testa e fez um bico, como quem pensava em uma solução, mas logo olhou fixo o chão e balançou a cabeça em negação, e repetiu, desta vez prestando atenção no silêncio: "não"! De repente lembou-se de quando ela nascera. Era uma boneca. Somente naquele momento pensou que ela poderia ter sentido falta de um irmão quando criança. Não era completamente errado afirmar que era um pouco culpa do trabalho e do tempo que já não tinha para dar para a sua filha.. e dividi-lo com outra criança seria crueldade, afinal, um pai tem que estar presente, ser uma figura para se temer, para se amar, para se ter! Mas por outro lado – ou talvez mesmo por conseqüência deste – é dificil ser provedor, mastro nas horas em que apenas se quer deitar no colo da mãe e chorar. Tem dias que nem eu quero ser um rapazinho... mas por outro lado percebeu que Maria era o nome da mãe de Deus, e que Deus tem somente uma mãe, portanto aquele nome a fadara a ser filha única. Nunca acreditou que os nomes pdoeriam ter força, mas seu apelido fazia muito sentido naquela tarde. E teve uma tontura e entendeu! Tudo fez sentido! Tudo se encaixou tão facilmente.... era tudo tão óbvio, de repente ele esboçou um sorriso – contido, claro – não era hora para bipolaridades! Mas aquele anti-sorriso fitava não a filha, mas a sua barriga. Na verdade via além da barriga. Ele via a desnecessidade da esperança na vida. E dava aleluias por ter percebido que a esperança é o ato de adiar o ininterrupto, porque, na prática, só existe o presente! As horas não existiam, os dias não existiam, os anos não existiam da forma como acreditava. Até agora tudo o que ele fizera consistia em creditar não no tempo, mas a máscara que aprendera a atribuir ao tempo, e que o tempo mesmo nunca tinha parado. Entendeu que a sua filha não ia crescer, mas que ela era ela agora. Nem o passado e nem o futuro eram palpáveis, enfim, mas sempre e para sempre, o presente. Minha filha nunca tivera antes, quase 30 anos, mas sempre foi muita filha, astuta e eloqüente... sempre no presente! Percebeu que a esperança era adiar o presente e mascará-lo... Boquiaberto e meio zonzo percebeu que precisaria assumir a sua carência e esquecer, de vez, a esperança. Entendeu que, se era preciso, tinha-se. E que quanto mais se precisava, mais se fazia, e mais tinha-se. E viu Deus na barriga da sua filha, e deu graças porque o precisar nunca se acaba.

15.11.06

As Aspas

Eu falo de aspas como falo de deuses. Deuses gregos, com seus humores, seus gostos, o deleite pelo xadrez – os bons e velhos arquétipos humanos dispostos como em um bufet; mas também falo deles a esmo, como fala da visão um cego que nascera cego: eu apenas os idolatro. Eu os idolatro como à relíquias pasteurizadas que me chegam como são, e por pura preguiça de pensar no que me atrai nessas aspas, eu finjo que não me interessam como serão. Em fato, tudo que quero delas é que me sirvam quando eu quiser fugir de mim. Neste sentido eu creio que elas apenas desempenham uma fugaz função que delas e apenas delas dependa a sujeição da sua fugacidade. E por causa das aspas, hoje eu percebo que eu sinto falta de mitos. Não que eu não me satisfaça com os que eu acompanho – ou cultuo, sei lá... mas sinto pena por não acrescer ao meu panteão, novos mitos a serem repousados nos recém-abertos altares do meu confuso relicário.

A fugacidade se dá num átimo que não mais é apenas a velocidade da luz: chamo-a agora, de produtos-holofote. Explico: Tantos seres envoltos em aspas povoam os meios de comunicação que só consigo pensar que estamos no auge da colheita de pseudo-artistas que não ficam tempo suficiente para aquecer o canhão que conduz o holofote que os ilumina – ou, mais especificamente, dois produtos-holofote. Cantores de uma música só, atores de uma cena só, amantes de um beijo só... a banalização do secreto me soa como se tudo fosse natural demais, fácil demais. E por conta disso, perdoa-se demais, come-se demais, erra-se demais; chora-se demais, reergue-se demais... e tudo pelo suposto direito de criar uma experiência de vida que deveria vir em troca da satisfação de uma profusão de egos que exigem que o tempo mundano seja o tempo dos seus próprios relógios biológicos! Por este excesso de charme e, claro, pelo meu próprio processo parcial de inquisição eu culpo a Internet – sim, faço uso da minha licença para julgar, mesmo não sendo o Deus. Porque também se banalizou o julgamento feito pelas pessoas! E pronto. Não me neutralizo ao errar dizendo que erra-se demais, claro: seria muito fácil. Ou dificil, não sei... escrevo tão indiferentemente que nem sinto prazer ou culpa: sou neutro quando digo que culpo a Internet pela democratização do ordinário e pelos produtos-holofote quem nem chegam a empoirar no meu relicário. E me lembro que temos tanta gente ruim, ou, na melhor das hipóteses, mediana, que padronizou-se a espera pelo normal. E o normal não é ruim, mas é comum – por isso não temos mais mitos, em vez de aspas! Novas aspas vêm e vão com tanta rapidez que eu não tenho mais tempo de me apegar a elas; novos atores aparecem nos filmes que eu não posso ver, e deles não saem... e entao fico sem vê-los! Novos cantantes surgem do nada e para o nada voltam sem eu saber sequer seus nomes! Há tantos blogges como este na Internet que eu não posso ser justo dizendo que sejam bons ou ruins, porque o próximo sempre pode me seduzir mais que o anterior... Sinto falta de laços! Sinto falta de mitos! Sinto falta de convexão e reconvexão. E o meu egoísmo insiste em dizer que, porque assim eu quero, que a Internet seja culpada pela difusão e pela dinamicidade da divulgação das informações, que, por conseqüência, da apresentação de mais opções e liberdade de escolha. Por um lado isso tudo é bom, mas o ruim disso tudo é que os mediocres parecem conhecer mais de informática, e por isso mostram a sua ordinariedade para o universo, infectando o menu com tantas aspas... E então eu me pergunto: A Internet matou os mitos ou vulgarizou o glamour? Ou eu que estou ficando velho?

11.11.06

Óbvio

Sentia um amor tão grande, tão intenso, tão, que eu queria te bater, queria te machucar até sangrar, só para depois ter o prazer de cuidar, de acariciar, de prover, de tomar conta, enfim. Mas também era o mesmo amor que envergonhava, que, de volta ao passado, revelava toda a amaturice do antes, do que não me orgulha, do que já foi, mas que não deixa o meu senso crítico caminhar em paz. Eu me perdia nos infinitos motivos que eu tenho para me envergonhar... até que eu me lembrava das noites que, em claro, me ocupava de soprar a sua nuca para ver seus pêlos se arrepiarem e depois contar o tempo que eles levavam para que se deitassem novamente – quando eu deixava que eles se deitassem novamente.... e fazia isso sem me perder, observando seu corpo dormindo diante de mim, como um milagre! Você inspirava e respirava, e eu ficava tão feliz que doía: e então eu apertava forte os dentes para não te beijar com toda a força da minha carência, e saboreava com propriedade de enólogo, o sal dos seus olhos. Eu queria te abraçar, e chorava de tanto amor. Eu queria te abraçar e te acordar porque eu queria te sentir não com a impossível entrega que quem só quer a filantropia, mas com a gana de quem abraça e quer ser abraçado em retorno - o mais genuíno e antigo dos quereres humanos: o egoísmo. Queria te comer pra te trazer sempre comigo, sermos um só não apenas no sangue. Queria te comer para digerir o seu eu e sermos, definitivamente, nós – queria o seu “de dentro” sendo parte do meu “de dentro” também, mas não apenas para desafiar a física e provarmos que dois corpos poderiam sim ocupar o mesmo lugar no espaço, mas para te carregar comigo como uma mãe orgulhosa carrega a cria, no ventre. Queria que os mundos todos soubessem que eu te amo – e para isso, eu não podia te amar, de forma alguma, baixinho... Eu queria gritar, mas em vez de explodir os pulmões eu te olhava grave e sorria; você ditava o ritmo da nossa respiração: você mandava em mim até quando não se dava conta disso!

Nos momentos em que eu não estava contigo sentia crescer dentro de mim um ódio que me transbordava e assumia proporções burlescas, infectando o ambiente como uma doença virulenta e mortal, porque não admitia que houvesse para você, uma vida da qual eu não participasse. Eu me odiava por não ser infinitamente provedor e suficiente... e odiava as pessoas, tanto quanto odiava os momentos nos quais eu não estava com você. Na verdade eu também odeio esse texto porque nele eu revelo que te amo. Eu odeio lembrar que eu não podia acordar do seu lado; eu odeio lembrar que não te falei que eu ia embora; eu odeio ter passado a carta por baixo da porta; eu odeio não ter estado ao seu lado quando você morreu; eu odeio não ter te dado a mão quando rodamos na estrada; eu odeio ter jogado perfume no seu travesseiro; eu odeio ter te expulsado do quarto durante a noite; eu odeio não ter lhe dito tudo muito antes; eu odeio não ter ficado contigo quando você me defendeu; eu odeio ter ficado sem conversar com você; eu odeio não ter simplesmente trocado a lâmpada... – eu me odeio por ter feito você chorar.

8.11.06

Bocejo

Era uma manhã deliciosa. Dava-me ao trabalho de decidir se ela era apoteótica ou simplesmente delicisosa enquanto estalava exageradamente cada uma das sílabas dessas palavras com a língua, no tempo em que as dividia, mentalmente. O corpo doía a dor relaxada e depois contida dos ossos estalando, e depois dos músculos esticando, quando eu tocava o sol com a ponta dos dedos, meio bêbado, ainda, como quem diz: agora chega, já bebi demais.

Olhava para a mochila que continha o mais supremo dos prazeres, a maior das realizações, o meu objetivo transitório: minha identidade italiana. Eu me sentia um personagem de “A Felicidade Clandestina”, mas o meu êxtase não se contentaria em achar isso da felicidade; aliás, hoje é dia de conciliar tudo e todos... ouso convidar gregos e troianos, palestinos e judeus, apóstatas e fanáticos – todos esses para comemorarem comig, egoísta que hoje sou, a minha vitória: yes, cheers, thanx a lot!

Leonardo de Oliveira Cardoso é 7 – o filósofo, enquanto Leonardo Cardoso é 6 – a harmonia! Se eu fumasse cigarros, agora eu fumaria um maço... mas como não fumo, entrego-me aos prazeres dos industrializados e dos farmacêuticos – sem culpa nenhuma, como uma galinha poedeira! Acordei às 10h30 com sentimento de dever cumprido, quase que como uma canção de vitória, uma aleluia, um sorriso maroto e sem vergolha de falar alto com mau-halito e caminhar descalço pela casa, cheio de remela nos olhos... ah, a sensação de acordar e sentir uma leve ardência nos olhos enquanto os abria – pregados que estavam: os cílios e os olhos inteligados pela camada espessa e amarelo-esverdeada da remela seca. Um sorriso sem-vergonha estampado no rosto e o orgulho de dizer, como primeira frase do dia: the bitch is back!

Hoje eu sou tudo.... sou κενμαπδν, sou כהנמאפדנ, sou كهنمافدن, ԻԵԾԽԱՁԴԾ, КЄНМАПДН ou talvez Leonardo Cardoso - italo-brasileiro! Hoje eu não estou: eu sou. E não preciso de nenhuma corrente pra matar gente porque dentro de mim estamos todos acordados: somos so me, myself and I.